O espectro
"Enquanto a economia dos EUA dá sinais de uma recuperação inesperada, as notícias vindas da Europa surpreendem os analistas mais pessimistas.
É uma das histórias mais curiosas da estação. Em Berlim muitas pessoas já não querem ser pagas em euros. Ou melhor, não querem ser pagas em euros emitidos no sul da Europa. As notas têm uma denominação de origem indicada pela primeira letra do número de série e para algumas mentes mais temerosas as notas emitidas em Portugal, Espanha, Itália ou Grécia são para evitar. O jornal Handelsblatt explica que a estratégia, brilhante ou risível dependendo da perspectiva, assenta na convicção de que uma crise europeia ou a desagregação da zona monetária pode culminar em taxas de conversão muito diferentes de acordo com a região de origem. Ser apanhado com euros italianos seria como investir as poupanças em acções do Bear Stearns.
É uma história divertida e ajuda a captar o espírito do momento. Ainda me lembro quando Alberto Alesina veio a Washington fazer a sua habitual defesa do vigor da economia americana contra a timidez europeia. Em Outubro não era uma tarefa fácil e Alesina teve de suportar o ridículo da audiência. Desde então tudo mudou. Enquanto a economia dos Estados Unidos dá sinais de uma recuperação inesperada, as notícias vindas da Europa surpreendem os analistas mais pessimistas. É o meu caso, que há cerca de seis meses previ um abrandamento rápido sem, contudo, me atrever a ir mais longe. Agora, quando escrevo estas linhas, é possível que quatro ou cinco economias nacionais estejam já em recessão técnica. E o pior está claramente por chegar.
Desta perspectiva as acções das autoridades monetárias europeias começam a desafiar qualquer explicação. Em primeiro lugar foram contraproducentes, com a subida das taxas de juro a estimular a entrada de capital estrangeiro, o crescimento da massa monetária e as pressões inflacionistas que supostamente queremos combater. Mais importante, estas pressões atingiram agora um ponto de viragem: o risco de inflação é agora muito mais reduzido do que o risco de uma espiral deflacionista nos países do sul da Europa. O desemprego em Espanha acaba de atingir o seu nível mais alto em dez anos. Para o observador desapaixonado, este é o momento sumamente perigoso em que a viabilidade de uma zona monetária comum reentra no campo da especulação.
Um espectro assombra a Europa. A pergunta é simples: será que a política monetária europeia é inteiramente ditada pelas condições económicas realmente existentes? Ou, pelo contrário, estaremos a pagar um preço económico pelo prestígio, pela autonomia e pela solidez das instituições? Será que estas instituições se tornaram um fim em si mesmo? "
Bruno Maçães
É uma das histórias mais curiosas da estação. Em Berlim muitas pessoas já não querem ser pagas em euros. Ou melhor, não querem ser pagas em euros emitidos no sul da Europa. As notas têm uma denominação de origem indicada pela primeira letra do número de série e para algumas mentes mais temerosas as notas emitidas em Portugal, Espanha, Itália ou Grécia são para evitar. O jornal Handelsblatt explica que a estratégia, brilhante ou risível dependendo da perspectiva, assenta na convicção de que uma crise europeia ou a desagregação da zona monetária pode culminar em taxas de conversão muito diferentes de acordo com a região de origem. Ser apanhado com euros italianos seria como investir as poupanças em acções do Bear Stearns.
É uma história divertida e ajuda a captar o espírito do momento. Ainda me lembro quando Alberto Alesina veio a Washington fazer a sua habitual defesa do vigor da economia americana contra a timidez europeia. Em Outubro não era uma tarefa fácil e Alesina teve de suportar o ridículo da audiência. Desde então tudo mudou. Enquanto a economia dos Estados Unidos dá sinais de uma recuperação inesperada, as notícias vindas da Europa surpreendem os analistas mais pessimistas. É o meu caso, que há cerca de seis meses previ um abrandamento rápido sem, contudo, me atrever a ir mais longe. Agora, quando escrevo estas linhas, é possível que quatro ou cinco economias nacionais estejam já em recessão técnica. E o pior está claramente por chegar.
Desta perspectiva as acções das autoridades monetárias europeias começam a desafiar qualquer explicação. Em primeiro lugar foram contraproducentes, com a subida das taxas de juro a estimular a entrada de capital estrangeiro, o crescimento da massa monetária e as pressões inflacionistas que supostamente queremos combater. Mais importante, estas pressões atingiram agora um ponto de viragem: o risco de inflação é agora muito mais reduzido do que o risco de uma espiral deflacionista nos países do sul da Europa. O desemprego em Espanha acaba de atingir o seu nível mais alto em dez anos. Para o observador desapaixonado, este é o momento sumamente perigoso em que a viabilidade de uma zona monetária comum reentra no campo da especulação.
Um espectro assombra a Europa. A pergunta é simples: será que a política monetária europeia é inteiramente ditada pelas condições económicas realmente existentes? Ou, pelo contrário, estaremos a pagar um preço económico pelo prestígio, pela autonomia e pela solidez das instituições? Será que estas instituições se tornaram um fim em si mesmo? "
Bruno Maçães
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