terça-feira, agosto 12, 2008

Macunaímas lusitanos

"Os heróis sem carácter estão em alta. Episódios recentes no judiciário são conhecidos e comprovam-no.

A falta de Ética e de competência nos meios judiciais e em magistrados transbordou. Os cidadãos têm que varrer do poder os causadores e os beneficiários da situação de indigência da Justiça, em contínuo agravamento. As variantes da tragédia perpassam o quotidiano em múltiplos aspectos.

1) O silêncio cúmplice enquanto ministros, directores gerais e outros dirigentes desrespeitam leis e direitos, inventam “interpretações autênticas” para auto-benefício e dispõem do aparelho do Estado para defesa dessas ilegalidades em tribunais ronceiros.

2) Informações em “segredo de justiça” saídas a conta-gotas para os media de modo económico ou politicamente motivado.

3) Um juiz acusa uma testemunha de declarações falsas que documenta e um jurista, dias depois, condena alguém com base nesse testemunho falso. Não pode haver tolerância, travestida de “cultura jurídica”, para tais liberalidades.

4) Uma dama de alterne afirma que organizou agressão, a pedido de ex-amante e conhecido alvo popular, e é isenta de averiguação pelo Estado empenhado sem sucesso contra o pretenso mandante.

5) Notificação de arguidos como ‘show prime time’ de TV claramente pré-avisada.

6) Dr. Sanches promovendo acusações falsas na TV contra arguido que sua discreta esposa processa em nome do Estado, tudo sem consequências.

7) Interpretações delirantes de outros justiceiros perseguindo durante anos engenheiro competente, no caso de Entre-os-Rios, enquanto vetos de gaveta, despachos falseadores de leis, prescrições cirúrgicas proliferam impunes na Administração Pública.

8) O arroz de pato ou lampreia de figuras secundárias é crime prioritário para procuradores em bicos de pés, mas aceite no dia a dia de deputados, fiscais de obras e jornalistas, ou como mimo mínimo laboratorial a médicos.

O substancial é secundário. A Ética tornou-se numa excentricidade em desuso.

Heróis sem carácter
Estes e outros actores ressuscitam “Macunaíma, o herói sem nenhum carácter” de Mário de Andrade, o mesmo de “Amar, Verbo Intransitivo”. E motivam a atribuição honoris causa de nacionalidade à versão local da falta de carácter. Os Macunaímas lusitanos não estão somente no sector da Justiça e têm ‘pedigree’:

1) Após o 25 de Abril, o MFA substituiu reitores pelos professores decanos. Logo um futuro ministro, brioso reitor em Angola, por também ser decano, se reinstalou como reitor!

2) Conhecidos banqueiros, como 2008 evidenciou, qualificam-se sem reservas.

3) Causa ou consequência, tem havido Macunaímas escolhidos “criteriosamente”.

Face ao flop Pinto Machado, em 1987, Carlos Melancia foi aposta segura para Macau. E mais uns capítulos cinzentos na Justiça em que juiz corajoso que divulgou a decisão exoneratória se tornou réu na opinião público.

4) Nesses tempos da Condotte d’Acqua e Craxi, ministros manipulavam concursos públicos sem hesitarem. Um deles, quiçá ministeriável, continua a perorar sobre ética! Lembra (porquê?) o embaixador dos USA a criticar escandaloso conflito de interesses e a romagem pública e chorosa de destacados políticos a apoiarem o autor, ex-ministro e beneficiário da assessoria jurídica em causa. De chorar, de facto.

‘Donde los hombres’?

Os heróis sem carácter estão em alta. Episódios recentes no judiciário são conhecidos e comprovam-no. O Bastonário da Ordem dos Advogados, porque o diz, é ovelha negra.

Tribunais e Ministério Público, como as fardas, regedores e Tribunais Plenários, voltam a condicionar críticas.

Sem Justiça capaz, aumenta o obsceno enriquecimento de Bancos, especuladores e marginais e um Estado medíocre.

Sugerem-se dois passos para mitigar o forrobodó: um movimento de cidadãos que objectivamente inclua o restauro da Justiça como compromisso político prioritário; o restabelecimento de valores éticos através do Ensino, sem esquecer que essa tarefa não é central na Escola.

A sintonia desses passos e a crise social em progresso poderão atenuar a imaturidade cívico-política nacional e dar resposta à pungente pergunta de Alberti: “donde?”
."

Manuel Gonçalves da Silva

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