sábado, agosto 16, 2008

Pobres e mal-agradecidos

"Na sentença em que condenou cinco homens de etnia cigana a penas de prisão efectiva por agressões a soldados da GNR, a juíza Ana Gabriela Freitas, de Felgueiras, citando testemunhas, referiu que os arguidos eram "pessoas marginais, traiçoeiras, integralmente subsidiodependentes do Estado". Muito embora a sentença se tenha sempre referido àqueles arguidos em concreto, o advogado de defesa entendeu que o seu alcance ia muito para lá disso e reflectia uma visão xenófoba sobre toda a comunidade cigana. É, de facto, difícil não desconfiar que assim foi e, todavia, não é isso que retira razão aos testemunhos citados pela juíza. Infelizmente.

Há anos, aplaudi a coragem do governador civil de Braga, Bacelar Gouveia, defendendo praticamente sozinho a comunidade cigana de Oleiros contra as populações locais. Hoje aplaudiria outra vez, porque penso que, num Estado de direito, a autoridade tem de garantir condições de igualdade entre todos, independentemente da raça ou dos hábitos de cada comunidade. Não é simplesmente tolerável que brancos rejeitem viver com negros por perto ou que negros rejeitem ser vizinhos de ciganos, como sucedeu recentemente na Quinta da Fonte. E, todavia, isso não encerra a questão.

Também não é tolerável que uma determinada comunidade ou etnia se torne de tal forma anti-social que ninguém queira viver ao seu lado por medo ou desconforto. Por mais teorias igualitárias que se construam, a realidade é que o mito dos ciganos vagabundos, últimos aventureiros e homens livres do Ocidente, está de há muito esgotado. Nas povoações do interior, os ciganos sempre foram olhados com desconfiança pelo facto de andarem armados, dedicarem-se ao pequeno furto e envolverem-se em frequentes rixas. Traziam problemas e conflitos aos locais por onde passavam e era natural que as populações só descansassem quando os viam longe. A maior parte da comunidade vivia, porém, do contrabando e, embora não fosse uma actividade propriamente legal, sempre foi mais ou menos tolerada como mal menor. Mas a abolição de fronteiras na Europa acabou com o único modo de vida mais ou menos estável dos ciganos. Infelizmente, a alternativa a que lançaram mão foi o tráfico de droga e tudo o que ele arrasta consigo de crimes associados.

80% das famílias ciganas recebem o Rendimento de Reinserção Social, vivem em casas cedidas pelas autarquias com rendas simbólicas, que muitas vezes nem sequer pagam, como se viu na Quinta da Fonte, dispõem de escola grátis para os filhos e assistência médica. Isto é o que a comunidade lhes dá. E o que dão eles em troca? Nada: não trabalham, não pagam impostos, não cumpram as leis do Estado que os acolhe. Reclamam-se uma diferença sociocultural que os exime de responsabilidades semelhantes às de quaisquer cidadãos, mas estão sempre na primeira linha a exigir tudo e mais alguma coisa a que se acham com direito.

Ora, eu aqui dou razão a Paulo Portas: o Estado assistencial não pode perpetuar a dependência de quem tem capacidade para viver de outra maneira. A ajuda pública existe para ocorrer a situações de emergência social, de miséria absoluta, e criar condições para que as pessoas, pelo seu trabalho e pelo seu esforço, possam então ter uma oportunidade para sair do fundo do poço. Mas não existe para alimentar, sem fim à vista, a preguiça, a indolência, a desresponsabilização. Se é que a comunidade cigana está organizada por uma hierarquia estratificada, como dizem, é altura de os seus líderes reflectirem e imporem a sua autoridade à comunidade, para que esta decida se querem ser cidadãos ou marginais. Não podem é ser cidadãos para os direitos e marginais para os deveres
."

Miguel Sousa Tavares

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