segunda-feira, setembro 01, 2008

Dias Contados

"Procurava estacionar junto a um restaurante do Porto e vi, pelo espelho, o arrumador que corria atrás de mim. Encontrei lugar e saltei do carro o mais depressa que pude. Talvez o arrumador não me tivesse apanhado. Tinha: em vez de os remover das ruas e dar-lhes formação cívica, conforme o prometido, o dr. Rui Rio pelos vistos manteve-os cá fora e deu-lhes treino de meio-fundo. Não lhes deu, seguramente, roupas: o infeliz era um farrapo pegado.

"Boa noite e que Deus o proteja", começou por saudar. "Eu não peço dinheiro, peço comida", acrescentou. Informei-o de que preferia dar-lhe dinheiro. Aceitou, na condição de que fosse suficiente para uma refeição "numa tasquinha" ali perto, isto é, quatro euros e meio, que eu, se quisesse, confirmaria acompanhando-o à dita. Disse-lhe não ter tempo e desatei a catar moedas. A fim de me entreter durante o exercício, resumiu com notável síntese a história da sua vida: "Nunca fiz mal a ninguém e passei anos na cadeia." Por educação, perguntei-lhe que infame injustiça o levou lá. "Tentativa de homicídio de um fulano". Comentei que não terá sido um gesto simpático. O arrumador, de olhar no chão, pareceu discordar: "Não tive culpa. Ia com um pau, escorreguei e o pau abriu a cabeça do homem. Mas ele mereceu."

Do mal, o menos. Apesar da sucessão de azares que envolveram o transporte do pau, a escorregadela do transportador do pau, a direcção que o pau tomou em consequência do tombo e o presumível peso do pau, houve alguma justiça divina no facto de o pau terminar o percurso no crânio de um sujeito de má índole.

Uma coisa é certa: se a culpa não foi do arrumador, foi, então, de quem? Para a esquerda, foi garantidamente de todos nós, já que são as condições sociais que empurram um indivíduo rumo ao crime. Com a recente vaga de assaltos, hipotética ou verdadeira, voltou, principalmente graças à rapaziada do Bloco, a ladainha do criminoso enquanto inocente resultado da "exclusão" e da desigualdade capitalista.

A fulminante excepção vem do dirigente do BE João Teixeira Lopes, que, sem abdicar da ladainha (as causas estruturais, a "raiz do fenómeno", a "violência social do Governo", etc., etc., etc.), acusa a esquerda de falta de pensamento sobre a delinquência. O dr. Lopes, pelo contrário, pensa o assunto e preocupa-se com as vítimas do crime. Ou com algumas das vítimas. A demonstrá-lo, desce da teoria e, através do exemplo de um indivíduo a quem roubaram o automóvel, lembra que o indivíduo poderia ser operário de uma empresa sob, cito, "ameaça de deslocalização" e, cito de novo, "votar à esquerda". Ou seja, se não há problema que um contabilista reaccionário fique sem o Opel a troco de dois tiros, é urgente a preocupação perante os crimes de que o potencial eleitorado do BE é alvo.

Em última instância, a espantosa argumentação do espantoso dr. Lopes eleva o racismo ideológico a lei e, de caminho, acaba com a anacrónica distinção entre agressor e agredido: o primeiro só é criminoso se for de direita, o segundo só é vítima se se inclinar para a esquerda. Por acaso, não questionei o tal arrumador a propósito, mas os trajes e a peculiar higiene definiam um nobre activista antiglobalização. Provavelmente, o biltre que apanhou com o pau era militante do PSD. Mereceu, sem dúvida
."

Alberto Gonçalves

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