quinta-feira, setembro 04, 2008

Governo à mão desarmada

"O Governo está completamente à nora em matéria de combate à criminalidade violenta. O ministro da Justiça diz uma coisa, o ministro da Administração Interna afirma outra, o secretário de Estado da Presidência do Conselho de Ministros finge que não se passa nada e o secretário de Estado da Administração Interna contradiz todos os outros. Convenhamos, pelo caminho que eles vão ninguém chega a parte alguma.

Alberto Costa, Rui Pereira, Vitalino Canas e José Magalhães, atropelando-se em declarações e propostas contra a onda de criminalidade violenta que para aí vai, até parecem os irmãos Metralha dos livros do Patinhas, que não acertavam uma. Só que esses acabavam sempre presos, preventivamente, e nem andavam armados – coisa que parece cada vez mais difícil nas histórias que vão fazendo os quadradinhos da realidade nacional.

Na tentativa desesperada e despudorada de sacudir responsabilidades, os representantes do Governo começaram por querer negar as evidências. Para Vitalino Canas, até nem há crescendo da criminalidade violenta, apenas uma maior mediatização do fenómeno. Claro. Já cá faltava. Preocupasse-se o Poder menos com os media e mais com o crime e a reforma das leis penais não tinha dado no que deu.

Mas a indesmentível sucessão dos casos de carjacking, homejacking, ‘bankjacking’, ‘estações de serviçojacking’, ‘ourivesariajacking’, ‘restaurantjacking’ e mais uma infindável lista de crimes violentos que fazem do ‘jacking’ palavra a ter em conta nos dicionários a rever – para além dos crimes de sangue com utilização de arma de fogo serem agora corriqueiros – roubaram ao Governo as hipóteses de fuga.
José Sócrates optou pelo silêncio, que é direito consagrado aos arguidos na sua defesa. E Alberto Costa, José Magalhães e Rui Pereira enredaram-se numa série de contradições que só pode ser condenável.

Já Manuela Ferreira Leite age como um daqueles advogados-estagiários de assistente que em tribunal nada fazem ou dizem, a não ser o mínimo dos mínimos de, no momento das alegações, pedir a costumada justiça – e juntar ao processo um comunicado em papel a exigir a substituição de um ministro, pelo ridículo, é de mandar desentranhar liminarmente e nem sequer levar em conta.

Ou seja, em todo este processo, nem o silêncio tem sido de ouro nem a palavra de prata – apenas lata que nem ao mais reles larápio importa.

DAÍ a importância dos pontos de ordem do mais alto magistrado da Nação, o Presidente da República, e do mais alto representante do Ministério Público, o procurador-geral da República.

O fenómeno é preocupante e as promessas de reforço do número de agentes e das carreiras de tiro são demasiado pouco para o combater.

E os alertas de Cavaco Silva e de Pinto Monteiro são tanto mais oportunos quanto já se temia que o Orçamento de Estado para 2009, ano de eleições, descurasse a vertente da segurança e da autoridade do Estado.

A questão, como Pinto Monteiro bem apontou – uma vez mais, já que muitos e repetidos foram os avisos que se fizeram –, também passa pelo reconhecimento dos erros cometidos na reforma das leis penais e pela sua urgente correcção.

É claro que há diversos factores que contribuem para o aumento da criminalidade e do grau de violência com que é praticada – a crise social e económica, associada a um aumento do desemprego; a crise da família e da escola; a crise da integração e da reintegração social; os movimentos desregrados de imigração; a crise dos valores de referência – e em nenhum deles o Governo pode eximir-se de responsabilidades.

Mas o desajustamento da lei é mais um. E não é de somenos. A reforma penal foi responsável pela libertação de milhares de presos, tornou efectivamente mais restrita a prisão preventiva, instituiu a irrecorribilidade dos despachos que a recusam e retirou ao juiz a possibilidade de a aplicar caso não seja requerida pelo Ministério Público.

Rui Pereira (coordenador da unidade de missão responsável pela reforma) ainda acha que o erro não está aí e que até alargou a sua aplicabilidade? E pretender fazer crer que o busílis está na interpretação que os magistrados deram às normas é quase um caso de inimputabilidade.

Há um ano, quando as novas leis penais foram aprovadas com ampla maioria no Parlamento – e promulgadas, recorde-se, por Cavaco Silva sem qualquer reparo – foi dito e redito que estavam pejadas de erros graves, com as consequências que, aliás, já se adivinhavam.

Há um ano, Rui Pereira garantia que Portugal tem dos melhores rácios de agentes por habitante «da Europa e do mundo». Como fala diferente, agora.

O mais extraordinário é que, nem mesmo no ponto a que já se chegou, o Governo parece disposto a corrigir o que está manifestamente errado.

Antes opta por ficar à espera mais «uns meses» pelo estudo de impacto das novas leis penais encomendado a Boaventura Sousa Santos – como se fosse necessário – e acena com uma nova alteração da lei das armas, que passará a prever «sem qualquer dúvida» a possibilidade de prisão preventiva para os autores de crimes com arma de fogo – como se as leis avulsas fossem a mais acertada técnica legislativa em matéria de Direito Penal.

A entrevista de Rui Pereira à RTP, na quinta-feira, foi a melhor prova da impreparação e incapacidade do Governo, e em especial deste ministro da Administração Interna e do ministro da Justiça, para fazer face ao problema, gravíssimo, da insegurança crescente e do aumento da criminalidade e da violência no país.

José Sócrates já deu provas de que é avesso a remodelações e, quanto a estas, prefere agir tipo sniper e abater ministros de forma selectiva e quando já não há mesmo alternativa. E bem.

Mas, se não se cuida e não rouba a palavra aos ministros e outros governantes que só têm dito e feito disparates e, mesmo assim, quer mantê-los, ainda acaba refém deles. E acaba mal.
"

MRamires

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