quinta-feira, setembro 11, 2008

Jogos Olímpicos

"A família está preocupada com a minha sanidade mental. Verdade que a minha sanidade é preocupação recorrente desde o berço. Mas a família acredita que sair à rua de pijama é um novo recorde pessoal. Não tenciono alarmar ninguém; mas o que existe de ofensivo num pijama tradicional - calça e casaco - impecavelmente limpo e tratado? O padeiro não se queixa. A senhora dos jornais também não. E, a este propósito, lembro sempre o caso do filósofo A.J. Ayer, que gostava de se passear assim pelos jardins de Oxford. Quando o viam passar, ninguém comentava o pijama. No limite, e segundo relatos, diziam simplesmente que Ayer poderia ter sido o maior filósofo da sua geração, mas que o sexo o perdera.

A minha família não se comove com estas histórias e aconselha, por enquanto, o uso de um sobretudo. Para "disfarçar", dizem. Exactamente como as autoridades políticas chinesas, que lançaram uma campanha vigorosa para que os habitantes da capital não andem pela rua em certos preparos. De calças dobradas. De meias brancas. E de pijama, claro. E tudo isto porquê?

Porque as Olimpíadas têm pouco de jogos e tudo de política. Os jogos são uma forma de a China mostrar poderio ao mundo; e a conquista de medalhas, de preferência ultrapassando os Estados Unidos, a prova material desse poderio. Investindo 40 mil milhões de dólares em infra-estruturas; obrigando os habitantes a "disfarçar" saudáveis modos de vida; e fanatizando os seus atletas para que "batam" os adversários a todo o custo, os jogos são um prolongamento da guerra por outros meios.

E nós? Nós, portugueses, devíamos ter algum pudor em entrar nesta conversa. Quem quisesse ir, que fosse: sem representar coisa nenhuma, excepto o esforço e o talento individual. Infelizmente, estas modéstias não colhem; e parece que já há quem reclame uma "política nacional olímpica" capaz de "traçar objectivos" e alcançar não-sei-quantas medalhas em 2016. Por outras palavras: se os outros medem os seus falos, nós também devemos comprar uma fita métrica. Cheguem-me o pijama, por favor
. "

João Pereira Coutinho

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