sexta-feira, setembro 26, 2008

O sucesso do PS

"A fraqueza do Partido Social Democrata e da direita em geral não pode ser desligada do sucesso do Partido Socialista.

O sucesso do Partido Socialista sob a liderança de Sócrates é um “caso de estudo”. A verdadeira dimensão desse sucesso tem de ser vista à escala europeia. Por todo o continente os partidos socialistas estão em crise profunda. Dos poucos que restam no poder, o “Labour” britânico está debaixo de fogo e Gordon Brown tem os dias contados; o PSOE de Zapatero, devido a erros de política económica e à inabilidade para lidar com os problemas do nacionalismo, terá cada vez mais dificuldades pela frente. Mesmo entre estes três que ainda detêm o poder, o Partido Socialista português é o que está melhor posicionado.

Julgo que a chave do sucesso do PS tem sido a sua capacidade para escapar à rigidez doutrinal que outros partidos socialistas europeus mantêm, com especial gravidade no caso do PS francês, mas também presente no actual SPD alemão, por exemplo. O PS manteve o seu progressismo cultural e o seu ideal igualitário, ainda que com alguma moderação (excessiva, segundo alguns). Mas não ficou preso às receitas tradicionais do socialismo democrático. Pelo contrário, aceitou de bom grado as liberdades económicas e decidiu enfrentar os desafios da globalização – por exemplo, na legislação laboral – em vez de tapar os olhos face à realidade.

Mas quais foram as condições objectivas que permitiram ao PS dar este salto, enquanto outros partidos europeus não o conseguiram fazer? Paradoxalmente, parece-me que este êxito do PS se deve, pelo menos em parte, à fragilidade da sua implantação social. Isto é, a generalidade dos partidos socialistas na Europa está muito ligada ao movimento sindical, incluindo ao mais radical. Num contexto de acrescida concorrência internacional, com os sindicatos na defensiva, esta ligação não permite a renovação ideológica destes partidos. No caso português, estando o movimento sindical radical nas mãos dos comunistas, o PS fica muito mais livre e com maior capacidade para se dirigir directamente ao conjunto dos portugueses e não apenas aos interesses especiais protegidos pelo velho sindicalismo.

É certo que uma parte do sucesso do PS também pode ser lida pela negativa. A inabilidade dos dirigentes políticos da direita portuguesa abriu-lhe o caminho do sucesso. Mas seria injusto não valorizar aquilo que este partido foi capaz de fazer sob a liderança de Sócrates, para além de eventuais circunstancialismos políticos favoráveis. E há também aqui um jogo de espelhos. A fraqueza do PSD e da direita em geral não pode ser desligada do sucesso do PS.

Por tudo isto, é realmente estranho que os contestatários internos do PS, como Manuel Alegre e, em termos só aparentemente mais brandos, também Mário Soares, não percebam que, se a sua linha de pensamento vingasse, o destino do Partido Socialista seria o mesmo do de outros partidos congéneres na Europa, ou seja, a proximidade da extinção. Eles deviam agradecer a Sócrates o facto de, pelo menos em Portugal, a esquerda não ter entregado o poder à direita numa bandeja, abrindo caminho a um neoliberalismo sem justiça distributiva e a um conservadorismo sem respeito pelas liberdades.

Mas o sucesso do PS está ainda longe de alicerçado. Na minha opinião, aquilo que o PS precisa de fazer hoje é alargar a sua base de apoio assumindo-se como o grande partido da esquerda não comunista. Isto é, não como um partido definido essencialmente pela matriz socialista tradicional, mas antes como um partido aberto a todas as contribuições vindas do centro-esquerda. O PS devia esforçar-se por acolher sociais-democratas não dogmáticos, novos republicanos, ecologistas de esquerda, liberais sociais, etc. Como partido de massas, o PS é um ‘catch all party’ e não lhe convém ficar colado à sua designação, ou àquilo que representava em 1973, ou no pós-25 de Abril, ou no tempo dos primeiros governos constitucionais, ou ainda no período do cato-socialismo de Guterres.

Em suma: ninguém pede ao PS que deite pela borda fora aquilo que foi no passado e que merece certamente ser conservado pelo seu valor simbólico. Mas pede-se-lhe que dê um novo fôlego àquilo que já faz no presente, assegurando assim o seu futuro. Num campo minado por “alegristas”, “soaristas” e outros que tais, terá José Sócrates força para tanto?
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João Cardoso Rosas

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