Organizado só o crime...

"O crime violento, que por ora absorve o espaço mediático e político, é apenas a ponta dum enorme iceberg. Submersa, temos a delinquência urbana generalizada. O roubo por esticão, o furto de telemóveis, o assalto a carros, a extorsão de dinheiro no meio da rua dominam o nosso quotidiano; já sem falar das incivilidades que se instalaram nas cidades, como a prostituição, a toxicodependência e, maxime, os arrumadores de carros. Há um sentimento geral de impunidade e, na ausência de um modelo de segurança, vigora a lei do mais forte.

Neste paraíso para delinquentes, estes não são, por norma, presos ou sequer incomodados; se detidos, raramente são acusados pelos magistrados. Mas se, por excepção, são acusados, julgados ou mesmo se condenados, ficam em regime de pena suspensa. Ou seja, voltam calmamente para casa. Tanto trabalho - ainda por cima lento! - para nada. Suspeita-se que, doravante, quase ninguém será detido. Talvez porque já nem haja recursos para alojar e alimentar tantos presos... As polícias queixam-se dos magistrados que soltam os criminosos, os magistrados apontam defeitos às leis, as cadeias rebentam pelas costuras, os políticos fingem preocupação...

No meio desta barafunda, os portugueses nem sequer percebem para que servem as suas polícias. E estas ignoram qual a sua missão estratégica. Que deve ser definida, com urgência, e ser uma só: o ataque permanente e sistemático aos pequenos delitos, pois estes precedem e inspiram o crime violento. Este combate impõe-se, pois é a pequena criminalidade que gera maior desconforto aos cidadãos. Por outro lado, porque a detenção sistemática de delinquentes atrairá a essa malha fina a maioria dos responsáveis pelo crime mais violento. Finalmente, porque só assim acabará o sentimento geral de impunidade, se começará a respirar uma ambiente de ordem, de liberdade e segurança. Privilegiando a perseguição ao pequeno crime, o ex-mayor de Nova Iorque, Giuliani, transformou uma das mais perigosas capitais do Mundo numa cidade razoavelmente segura, reduzindo mesmo a criminalidade com armas de fogo em 75 por cento.

Na sequência duma missão clara e bem definida, é imperioso que polícias e tribunais se entendam e articulem. Há meios humanos e financeiros em quantidade bastante. Falham a organização e as políticas. Vá, organizem-se. Até porque quanto mais o país se desorganiza, mais o crime se organiza."

PAULO MORAIS