segunda-feira, outubro 20, 2008

DO RISO E DO ESQUECIMENTO

"Documentos recentemente revelados sugerem que, em 1950, Milan Kundera denunciou à polícia comunista um compatriota que espiava para os EUA e que, graças à denúncia, passou 14 anos na prisão. A ser verdadeiro, o gesto, que Kundera nega, não se recomenda. Porém, talvez não justifique a indignação suscitada pelo episódio, inclusive em Portugal e inclusive em blogues da extrema-esquerda.

É estranho que os checos se lembrem agora de remoer as simpatias dos intelectuais face ao invasor soviético, em geral conhecidas, breves e depressa tolhidas pelo arrependimento e pela perseguição. É estranhíssimo que os portugueses necessitem de ir a Praga, mesmo que metaforicamente, para lamentar vergonhas assim. O arremedo totalitário do PREC, fértil em missionários e delatores, nunca nos envergonhou.

Muito pelo contrário. Por cá, um passado de serviços ao "gonçalvismo" praticamente garantiu a "intelectuais" e similares um futuro próspero e respeitabilidade social. De repente, lembro-me do poeta que, nos idos de 70, escrevinhava odes ao Companheiro Vasco ("Habitavas a terra, o comum da terra, e a paixão/era morada e instrumento de alegria."), e que, de castigo, levou depois com fundação e casa voltada para a foz do Douro. Ou da eminência literária que pedia "sangue burguês" e acabou, para lá da fundação e da casa da praxe, inchado de honras oficiais e vaidade. Ou da ama-seca de Cunhal que, a pretexto dos opúsculos que rabisca, alcançou a típica comenda do Dez de Junho.

Mas quem procurar com jeitinho encontra igualmente vestígios do I Congresso de Escritores, em 1975, e do ardor religioso com que os seus membros receberam Vasco Gonçalves em carne, osso e divindade (a divindade disse-lhes: "Vós sereis uma força motora da revolução!"). E dos vultos da escrita, da pintura, da música, do teatro e do cinema nomeados para as Comissões Consultivas de um governo que ninguém elegera. E dos génios que, em manifestos públicos e golpes privados, conspiravam para destruir os colegas que exibiam desvios "burgueses" ou escassas credenciais "antifascistas".

No Portugal revolucionário, felizmente escorraçado e curto, os Kunderas caseiros não faziam queixa à polícia: os polícias eram eles. E se o regime subsequente os mudou de posto, a prazo não lhes retirou as respectivas regalias, a que adicionou medalhas, subsídios e mimos diversos. Foi sensato? Provavelmente: caso a democracia tivesse dedicado aos bufos do comunismo o rancor que dedicou aos seus equivalentes "salazaristas", dois terços da classe "intelectual" e "artística" actual não existiriam. Saber se sentiríamos a sua falta é outra questão
. "

Alberto Gonçalves

1 Comments:

Anonymous Anónimo said...

O herói Cunhal, que apoiou a invasão e que Salazar deixou dertar para a ex URSS, a sua verdadeira pátria, logo num carro blindado ali à mão de semear.
Os bufos da PIDE na sua grande maioria militaram no PCP (ai os arquivos que roubaram e não mostram) e nas esquerdas próximas, depois só comprovaram como se fazia.

segunda-feira, outubro 20, 2008  

Enviar um comentário

<< Home

Divulgue o seu blog!