sexta-feira, outubro 31, 2008

O CAFÉ E AS CONTAS

"David Gross, comentador da revista online Slate (e da Newsweek), explica a crise financeira através da quantidade de filiais da Starbucks, a cadeia multinacional de cafés. Resumindo muito, eis a tese: quanto mais filiais da Starbucks tem um país, maior é a sua vulnerabilidade face à crise.

Resumindo menos, Gross nota que a concentração de Starbucks nas diversas capitais financeiras aumenta em função da integração dessas capitais no capitalismo moderno, logo a uma propensão para o risco, para novas formas de negócio e para dar alguns euros em troca de uma simples bica. Nova Iorque e Londres rondam as centenas de lojas. Paris e Madrid, as dezenas. Pelo contrário, a África inteira, onde a banca permanece relativamente alheia às convulsões em curso, conta com uns meros três Starbucks. Idem para a América Latina e para a Ásia pobre.

Está bem: a Starbucks não existe na Islândia, pelo que a tese talvez não se candidate ao Nobel da Economia. Porém, numa altura de desnorte e palpites, é tão válida como qualquer. Para cúmulo, adapta-se perfeitamente às pretensões do Governo português, que em momentos de optimismo garante-nos imunidade perante o caos envolvente. Dado que Portugal conta apenas com uma loja Starbucks, bate certo. O que bate errado é este presumível sintoma de atraso e isolamento constituir para o Governo motivo de festejo.

Dito de maneira diferente, o que nos poderá proteger da crise internacional é, em parte, o que também "salva" o Terceiro Mundo: a crise interna, que resistiu, serena e patriótica, a anos de prosperidade ocidental. Portugal não se arrisca a cair na indigência porque, com o desemprego, a produtividade, o endividamento, as leis do trabalho e a estatização da economia que ostenta, Portugal era indigente bem antes de Wall Street se constipar.

Misteriosamente, o Governo ignora os sinais palpáveis da crise interna e ataca os sinais hipotéticos da externa. Muito misteriosamente, fá-lo mediante o reforço dos factores que nos conduziram, sem ajudas estrangeiras, à pindérica situação actual: mais Estado, mais "investimento" público, desresponsabilização dos cidadãos incumpridores, esfolamento dos cumpridores e bazófia, imensa bazófia em volta da "modernidade", dos "desígnios" e dos "desafios".

Não é à toa que a desgraça dos outros não nos preocupa. À toa andamos nós, no meio de uma desgraça particular que promete ser comprida, escaldada e sem açúcar
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Alberto Gonçalves

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