quinta-feira, novembro 20, 2008

ALÍVIO MÚTUO

"Enquanto milhares de professores protestam na rua, ministros são recebidos com ovos, peripécias de governantes vários alimentam o anedotário pátrio e a honra do eng. Sócrates é difamada em rascunhos nas latrinas da A1, o Partido Socialista paira nas sondagens acima da concorrência. À custa de quem? Não faço ideia. É possível que, como Nixon em 1969, o Governo beneficie de uma maioria silenciosa de simpatizantes, que não berram, não atiram produtos alimentares e não escrevem palavrões nas casas de banho. Outra possibilidade é que, como Berlusconi, o eng. Sócrates seja daqueles políticos que quase toda a gente odeia em público e quase toda a gente elege em privado.

Por experiência pessoal, inclino-me para a segunda hipótese. De facto, há muito que não consigo introduzir o nome do primeiro-ministro numa conversa sem que a conversa sofra uma interrupção brusca. "Esse?", pergunta o meu interlocutor com a fúria de um taliban a quem foi oferecida uma assinatura da Playboy. E segue por uma torrente de impropérios que o pudor me impede de reproduzir. Por fim, vira-me as costas. Provavelmente, para ir responder a uma sondagem e escolher o PS.

O aparente paradoxo explica-se. Se o povo percebe que o Governo roça o embaraço, supõe igualmente que não arranja melhor e, sobretudo, que não merece melhor. No fundo, e Deus sabe a que fundo desceremos, o Executivo do eng. Sócrates e as massas estabeleceram um acordo tácito e ideal, em que, para efeitos de alívio geral, o primeiro finge mandar e as segundas fingem insubordinar-se. De caminho, o país finge que existe, exercício que também não chega a convencer mas que decerto também consola
."

Alberto Gonçalves

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