Fragilidade da prova
"O Estado investe horas a fim de trabalho e de recursos humanos e técnicos que são para deitar ao lixo”
Há quem continue a defender que as declarações prestadas pelo arguido na fase de inquérito ou de instrução, perante o juiz de instrução, que são livres e espontâneas, não devem constituir meio de prova válido para a formação da convicção do tribunal na motivação probatória dos factos.
Diz a lei criminal que a leitura das declarações anteriormente prestadas pelo arguido em audiência só é permitida quando seja solicitada pelo próprio ou, quando feitas perante o juiz, houver contradições ou discrepâncias entre elas e as feitas em audiência.
A defesa desta posição é cega e tem criado enormes transtornos e dificuldades ao julgador em audiência quando, na ausência de outra prova, é confrontado com o silêncio do arguido. É que se o arguido se recusar a prestar declarações na audiência não há discrepâncias nem contradições com as declarações feitas anteriormente. Pode ocorrer o caso de o arguido confessar o crime à polícia, ao M. P. e ao juiz de instrução e vir a ser absolvido por se ter recusado a prestar declarações. A verdade formal é responsável por muitas absolvições. Apesar de saber que o arguido também é, por vezes, vítima do sistema de justiça, é um absurdo esta absolvição.
Sendo certo que é um direito do arguido ficar calado, porque não deve ser ele a contribuir para a sua condenação, tal direito não pode ser absoluto nem estar de tal forma blindado que impeça a busca da verdade material. Deve ser reconhecido o direito ao silêncio, na mesma medida em que devem ser aceites como meio de prova válido e indiscutível as declarações prestadas pelo arguido na presença do juiz.
Todo o sistema penal está construído numa lógica de desperdício processual, ou seja, num preconceito, que deve ser combatido, de que todo o trabalho de investigação e de recolha de provas de pouco valem no julgamento para efeitos de condenação ou de absolvição do arguido. O Estado investe horas a fim de trabalho e de recursos humanos e técnicos que são para deitar para o lixo.
É pena que a recente reforma penal não tivesse acabado com este logro, com este refúgio sibilino do arguido, que, orquestrado pelo seu advogado, fica calado em audiência quando já confessou o crime, sabendo nós que só uma visão romântica do processo penal o entende como imparcial e isento. O direito criminal reflecte sempre as opções culturais e ideológicas de quem tem o poder. E estas nunca são isentas e imparciais e vão, algumas vezes, a reboque da pressão mediática."
Rui Rangel
Há quem continue a defender que as declarações prestadas pelo arguido na fase de inquérito ou de instrução, perante o juiz de instrução, que são livres e espontâneas, não devem constituir meio de prova válido para a formação da convicção do tribunal na motivação probatória dos factos.
Diz a lei criminal que a leitura das declarações anteriormente prestadas pelo arguido em audiência só é permitida quando seja solicitada pelo próprio ou, quando feitas perante o juiz, houver contradições ou discrepâncias entre elas e as feitas em audiência.
A defesa desta posição é cega e tem criado enormes transtornos e dificuldades ao julgador em audiência quando, na ausência de outra prova, é confrontado com o silêncio do arguido. É que se o arguido se recusar a prestar declarações na audiência não há discrepâncias nem contradições com as declarações feitas anteriormente. Pode ocorrer o caso de o arguido confessar o crime à polícia, ao M. P. e ao juiz de instrução e vir a ser absolvido por se ter recusado a prestar declarações. A verdade formal é responsável por muitas absolvições. Apesar de saber que o arguido também é, por vezes, vítima do sistema de justiça, é um absurdo esta absolvição.
Sendo certo que é um direito do arguido ficar calado, porque não deve ser ele a contribuir para a sua condenação, tal direito não pode ser absoluto nem estar de tal forma blindado que impeça a busca da verdade material. Deve ser reconhecido o direito ao silêncio, na mesma medida em que devem ser aceites como meio de prova válido e indiscutível as declarações prestadas pelo arguido na presença do juiz.
Todo o sistema penal está construído numa lógica de desperdício processual, ou seja, num preconceito, que deve ser combatido, de que todo o trabalho de investigação e de recolha de provas de pouco valem no julgamento para efeitos de condenação ou de absolvição do arguido. O Estado investe horas a fim de trabalho e de recursos humanos e técnicos que são para deitar para o lixo.
É pena que a recente reforma penal não tivesse acabado com este logro, com este refúgio sibilino do arguido, que, orquestrado pelo seu advogado, fica calado em audiência quando já confessou o crime, sabendo nós que só uma visão romântica do processo penal o entende como imparcial e isento. O direito criminal reflecte sempre as opções culturais e ideológicas de quem tem o poder. E estas nunca são isentas e imparciais e vão, algumas vezes, a reboque da pressão mediática."
Rui Rangel
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