Sem memória
"O Governo prepara-se para encerrar o Tribunal Criminal da Boa-Hora, enclausurando a memória de 165 anos de Justiça feita neste convento, fundado em 1633. É pena porque pretende transformar este palácio, de acordo com o plano para a zona ribeirinha, em mais um hotel de charme, ‘vendendo’ a memória colectiva aos interesses das grandes oligarquias financeiras. A memória colectiva fica mais pobre e alguém fica mais rico.
O Governo Sócrates não tem ideologia que o ampare e trave: a única ideologia é o capital, não o do Marx, mas o dos grandes interesses. Vivemos numa era de vazio ideológico. A Boa-Hora é o Tribunal mais emblemático da Justiça portuguesa. As suas paredes, as escadarias, os corredores e as salas de audiência transportam estórias de vida, de dor, de lágrimas e de sofrimento que não podem ser apagadas da nossa memória. Na sala da 6ª Vara Criminal até o silêncio fala, aí todos nós fomos julgados e nos sentimos magoados, porque foi aí que aconteceram julgamentos históricos: os tristemente célebres tribunais plenários, onde os presos políticos já estavam condenados antes de entrar na sala de audiências. Só nesta sala é possível fazer a história política do salazarismo.
Bem sei que as coisas da preservação da memória não estão na moda e não rendem dinheiro. É verdade que o Governo precisa de dinheiro para instalar o novo campus da Justiça no Parque das Nações. Mas se desenterrou tanto dinheiro público para ajudar a Banca, com uma gestão criminosa, não arranja verbas para ajudar a preservar estes lugares de memória?
A difícil arte de preservar a memória obriga a que se defenda estes sítios de consciência que são uma fonte de inspiração para as gerações futuras. Activar e defender estes sítios históricos, estes lugares de muitas lembranças, é alimentar o ADN da nossa memória para que o nosso cérebro não entre em ruptura. A Boa-Hora é o suplemento nutricional que a memória da Justiça necessita, daí que não possa ser varrida do mapa do nosso património histórico.
Reflectir sobre o passado, discutir o seu legado, ser o elemento catalisador de um diálogo sobre semelhanças ou diferenças, recordar acontecimentos dolorosos e a cultura de intolerância, só é possível não fechando este lugar simbólico. Em todo este processo de venda da Boa-Hora, dói muito assistir ao silêncio cúmplice da imprensa face ao poder, que passou ao lado disto tudo, que nada fez, nada disse e nada escreveu. Por favor não desliguem o ‘coração’ deste Tribunal. "
Rui Rangel
O Governo Sócrates não tem ideologia que o ampare e trave: a única ideologia é o capital, não o do Marx, mas o dos grandes interesses. Vivemos numa era de vazio ideológico. A Boa-Hora é o Tribunal mais emblemático da Justiça portuguesa. As suas paredes, as escadarias, os corredores e as salas de audiência transportam estórias de vida, de dor, de lágrimas e de sofrimento que não podem ser apagadas da nossa memória. Na sala da 6ª Vara Criminal até o silêncio fala, aí todos nós fomos julgados e nos sentimos magoados, porque foi aí que aconteceram julgamentos históricos: os tristemente célebres tribunais plenários, onde os presos políticos já estavam condenados antes de entrar na sala de audiências. Só nesta sala é possível fazer a história política do salazarismo.
Bem sei que as coisas da preservação da memória não estão na moda e não rendem dinheiro. É verdade que o Governo precisa de dinheiro para instalar o novo campus da Justiça no Parque das Nações. Mas se desenterrou tanto dinheiro público para ajudar a Banca, com uma gestão criminosa, não arranja verbas para ajudar a preservar estes lugares de memória?
A difícil arte de preservar a memória obriga a que se defenda estes sítios de consciência que são uma fonte de inspiração para as gerações futuras. Activar e defender estes sítios históricos, estes lugares de muitas lembranças, é alimentar o ADN da nossa memória para que o nosso cérebro não entre em ruptura. A Boa-Hora é o suplemento nutricional que a memória da Justiça necessita, daí que não possa ser varrida do mapa do nosso património histórico.
Reflectir sobre o passado, discutir o seu legado, ser o elemento catalisador de um diálogo sobre semelhanças ou diferenças, recordar acontecimentos dolorosos e a cultura de intolerância, só é possível não fechando este lugar simbólico. Em todo este processo de venda da Boa-Hora, dói muito assistir ao silêncio cúmplice da imprensa face ao poder, que passou ao lado disto tudo, que nada fez, nada disse e nada escreveu. Por favor não desliguem o ‘coração’ deste Tribunal. "
Rui Rangel
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