quinta-feira, fevereiro 05, 2009

SOMBRAS DO PASSADO

"Todos temos esqueletos no armário. Alguns são literais, como o de Norman Bates em Psico. Outros são metafóricos. O meu é destes, e acreditem que precisei de coragem para o expor em público. Coragem e tempo, já que, além de particularmente embaraçoso, o esqueleto em causa tem quase um quarto de século. Ei-lo, conservado em formol: eu participei na campanha presidencial do prof. Freitas do Amaral.

Agora não há volta a dar, alegações de confusão, desmentidos. Está dito. E redito: eu participei na campanha presidencial do prof. Freitas do Amaral, com bandeirinha, autocolante na lapela e tudo. É verdade que à época eu rondava uns inimputáveis quinze anos. É verdade que entrei naquilo com absoluta inocência, leia-se para assistir aos concertos dos GNR que enfeitavam os comícios. É verdade que não repeti a proeza. Desgraçadamente, também é verdade que cedi ao contágio das multidões e no meio delas andei semanas a gritar "P'rá Frente, Portugal!" e alucinações semelhantes. Na altura, o amuo do meu pai, um social-democrata que abominava o "padreco" (o carinhoso cognome que dedicou ao senhor professor), só me incentivou a prosseguir até à derrota final. Hoje, a bênção da derrota não me alivia a vergonha de, mesmo que modesta e inutilmente, a ter tentado impedir. Em 1985, eu desejei que o prof. Freitas presidisse à República. Há criaturas na cadeia com consciência mais leve.

Duas décadas de maioridade ensinaram-me os inúmeros motivos racionais para não se gostar do prof. Freitas: as suas opiniões em relações internacionais, a capacidade de adaptação a diferentes regimes, a vontade de servir o chefe que houver, as pretensões literárias, etc. Prefiro os motivos irracionais: o género beato (o meu pai tinha razão), a pose senatorial, a voz, o penteado, o queixo.

A maioria dessas características manifestou-se generosamente na entrevista à SIC Notícias, e, como sempre acontece nas aparições do homem, aparentemente com a intenção deliberada de me atirar à cara a nódoa no meu passado. Dado o carácter e a "argumentação" que lhes subjaz, as proverbiais críticas do prof. Freitas a Israel e os proverbiais louvores do prof. Freitas ao primeiro-ministro, por exemplo, chegam para me deixar de rastos em 2009. Não porque me sinta ofendido pelos desvarios dele, mas porque ainda sou agredido pelos meus, que vinte e tal anos depois continuam a ferir e a enxovalhar
."

Alberto Gonçalves

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