O palhaço rico e o palhaço pobre
"O Banco Privado Português caminha para uma dissolução mais ou menos controlada. A ira dos clientes que vão perder dinheiro é justa mas está mal direccionada. O fracasso do BPP tem uma cara mas não é a de Teixeira dos Santos, é a da anterior gestão. É João Rendeiro o responsável? Ele é, pelo menos, o irresponsável.
Em vinte anos de Bolsa, Portugal produziu os seus próprios especuladores, alguns meros oportunistas, outros puros desestabilizadores. Para a história ficaram os investimentos e as investidas de Salema Garção, Jorge Figueiredo, Albino Moutinho, Júlio Monteiro (esse mesmo, o tio de Sócrates) e, claro, Joe Berardo e João Rendeiro.
O comportamento-padrão destes investidores era entrarem em empresas sem serem convidados, desestabilizando-as mais pelo veto que pelo voto, saindo delas só por um bom preço. Pelo caminho, frases mais ou menos cirúrgicas na imprensa contribuíam para a especulação. Nada que não exista em todas as bolsas do mundo.
Joe Berardo e João Rendeiro destacaram-se do lote. Berardo tornou-se o maior de todos os especuladores, Rendeiro o mais aristocrata. Chegaram a ser sócios e têm aspectos comuns, como fundações de arte, imunidade a reguladores e presenças hostis em empresas (perguntem à família Guedes, da Sogrape, o que pensa de Berardo; ou às famílias Soares dos Santos da Jerónimo e Mello da Brisa o que julgam de Rendeiro). Viriam a zangar-se e tornar-se tão diferentes como a água do vinho: um é grosseiro, esperto, directo e despretensioso; o outro é fino, inteligente, calculista e com grande ambição social. No circo da Bolsa, Berardo é o palhaço pobre, Rendeiro o palhaço rico. Pelo caminho, dois momentos-chave separaram os dois, sempre em favor de Berardo: quando há quase dez anos (!) publicou uma página de publicidade alertando para a falta de sustentabilidade do modelo de negócio do Banco Privado Português; e quando há pouco mais de um ano, no "Prós e Contras", mandou Rendeiro literalmente calar-se, ameaçando-o de contar o que sabia. Rendeiro calou-se.
Joe Berardo tem três coisas: um grande instinto, um grande atrevimento e um grande advogado. O primeiro enriquece e empobrece, o segundo provoca a ira, o terceiro salva-o. Numa entrevista recente ao "Público", assumiu a ruína do modelo bolsista em que medrou. Está hoje asfixiado por dívidas à banca mas mantém-se no jogo.
João Rendeiro passou da graça mediática para a desgraça bolsista. Tardou em admitir o que lhe acontecera e foi o primeiro a comparar-se a Madoff, mesmo que para o negar, num texto de opinião alheado da realidade no "Expresso". Ao contrário de Madoff, que não investia em nada, o BPP investiu em activos de qualidade, mas cometeu o pecado dos modelos de crescimento infinito. Mas, como Madoff, criou expectativas de rendibilidade anormal e garantida aos seus clientes, sem diversificação de risco, o que levou o BPP à bancarrota.
Ao recusar-se a servir de rede para todos os investimentos no BPP, o Estado empurrou os clientes para dois cenários: ou aceitam pagamentos a quatro ou cinco anos, o suficiente, supõe-se, para liquidar calmamente a carteira de títulos e minorar as perdas das carteiras; ou exigem o dinheiro já e o banco é liquidado de supetão. Ao lado, estão os outros bancos, à espera que o BPP morra para, quais abutres, ficarem com os seus melhores activos a preço de saldo. Rendeiro não tem do que se queixar: amor com amor se paga."
Pedro Santos Guerreiro
Em vinte anos de Bolsa, Portugal produziu os seus próprios especuladores, alguns meros oportunistas, outros puros desestabilizadores. Para a história ficaram os investimentos e as investidas de Salema Garção, Jorge Figueiredo, Albino Moutinho, Júlio Monteiro (esse mesmo, o tio de Sócrates) e, claro, Joe Berardo e João Rendeiro.
O comportamento-padrão destes investidores era entrarem em empresas sem serem convidados, desestabilizando-as mais pelo veto que pelo voto, saindo delas só por um bom preço. Pelo caminho, frases mais ou menos cirúrgicas na imprensa contribuíam para a especulação. Nada que não exista em todas as bolsas do mundo.
Joe Berardo e João Rendeiro destacaram-se do lote. Berardo tornou-se o maior de todos os especuladores, Rendeiro o mais aristocrata. Chegaram a ser sócios e têm aspectos comuns, como fundações de arte, imunidade a reguladores e presenças hostis em empresas (perguntem à família Guedes, da Sogrape, o que pensa de Berardo; ou às famílias Soares dos Santos da Jerónimo e Mello da Brisa o que julgam de Rendeiro). Viriam a zangar-se e tornar-se tão diferentes como a água do vinho: um é grosseiro, esperto, directo e despretensioso; o outro é fino, inteligente, calculista e com grande ambição social. No circo da Bolsa, Berardo é o palhaço pobre, Rendeiro o palhaço rico. Pelo caminho, dois momentos-chave separaram os dois, sempre em favor de Berardo: quando há quase dez anos (!) publicou uma página de publicidade alertando para a falta de sustentabilidade do modelo de negócio do Banco Privado Português; e quando há pouco mais de um ano, no "Prós e Contras", mandou Rendeiro literalmente calar-se, ameaçando-o de contar o que sabia. Rendeiro calou-se.
Joe Berardo tem três coisas: um grande instinto, um grande atrevimento e um grande advogado. O primeiro enriquece e empobrece, o segundo provoca a ira, o terceiro salva-o. Numa entrevista recente ao "Público", assumiu a ruína do modelo bolsista em que medrou. Está hoje asfixiado por dívidas à banca mas mantém-se no jogo.
João Rendeiro passou da graça mediática para a desgraça bolsista. Tardou em admitir o que lhe acontecera e foi o primeiro a comparar-se a Madoff, mesmo que para o negar, num texto de opinião alheado da realidade no "Expresso". Ao contrário de Madoff, que não investia em nada, o BPP investiu em activos de qualidade, mas cometeu o pecado dos modelos de crescimento infinito. Mas, como Madoff, criou expectativas de rendibilidade anormal e garantida aos seus clientes, sem diversificação de risco, o que levou o BPP à bancarrota.
Ao recusar-se a servir de rede para todos os investimentos no BPP, o Estado empurrou os clientes para dois cenários: ou aceitam pagamentos a quatro ou cinco anos, o suficiente, supõe-se, para liquidar calmamente a carteira de títulos e minorar as perdas das carteiras; ou exigem o dinheiro já e o banco é liquidado de supetão. Ao lado, estão os outros bancos, à espera que o BPP morra para, quais abutres, ficarem com os seus melhores activos a preço de saldo. Rendeiro não tem do que se queixar: amor com amor se paga."
Pedro Santos Guerreiro
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