sexta-feira, abril 24, 2009

Antes e depois da crise

"Os tempos estão bons é para os crisólogos. As fábricas fecham, as empresas entram em falência, os trabalhadores são despedidos. Mas quem é pago para falar da “crise” vive tempos de bonança. Nos telejornais, não há dia em que não haja uma reportagem sobre como “as pessoas normais” reagem à crise. Tal como não há dia em que a crise não seja apresentada como a causa de tudo. E tal como não há ninguém que não avance a sua “explicação” para a dita. Eu próprio exerço sem grande pudor a minha função de crisólogo de bancada (se algum jornal, orgão de comunicação social ou dona de casa quiser recorrer aos meus serviços, estou à vossa disposição).

Seguindo o espírito do tempo, o Presidente do Banco de Portugal veio há dias anunciar que prevê uma queda de 3,5% do PIB, este ano, em Portugal. Naquele papel servil de aguadeiro do Governo que tanto parece apreciar desempenhar, Vitor Constâncio disse também que Portugal não poderá recuperar crescimento económico enquanto a conjuntura externa não melhorar. O Governo, claro, agradece sempre que alguém vem dizer que o agravamento das condições de vida que os portugueses vão sentir nos próximos tempos não são culpa da sua política, mas “crise” e dos problemas dos outros (”Portugal não está isolado”, lembram-nos, como se antes não tivessem dito que o país passaria incólume pela tempestade global). Mas esquece-se que a “crise” e os problemas dos outros não explicam os problemas que afectavam o país antes da crise, nem serão responsáveis pelas dificuldades que continuaremos a enfrentar muito depois da crise deixar de incomodar os outros.

Há uns anos, enquanto a dra. Ferreira Leite, louvada seja, andava a fazer os possíveis e impossíveis para controlar o défice, Jorge Sampaio disse que “havia vida para além do défice”. Agora, quando todos falam da crise, e a crise serve de justificação para tudo, convinha que alguém viesse lembrar que havia vida antes da crise, que continuará a haver vida depois da crise, e que ela já era difícil antes da crise começar, e continuará a ser difícil depois dela passar. Não foi a crise que fez com que o Estado português consuma metade da riqueza produzida pelos cidadãos. Não foi a crise que fez com que qualquer pessoa ou família esteja seja obrigada a endividar-se para a vida inteira, porque não tem alternativa a comprar casa. Como não foi a crise que fez com que, apesar de o Estado cobrar cada vez mais impostos, estes continuem a ser insuficientes para cobrir as imensas despesas do Estado (ao mesmo tempo que estas continuam sem garantir que os serviços que financiam funcionem como deve ser). E claro, quando a crise passar, continuará ser difícil arranjar emprego em Portugal; muitos portugueses continuarão sem acesso a bons cuidados de saúde; o Estado não deixará de obrigar um número cada vez menor de pessoas a abrir mão de uma parte cada vez maior do seu rendimento, para financiar as pensões (cada vez mais pequenas), de um número cada vez maior de reformados. Quando a crise passar, e outros países começarem a ver a sua economia a crescer, por cá, a crescer, só mesmo os problemas.

Há dias, a líder do PSD veio dizer que o Governo não está a responder bem à crise. Tem razão. Mas bom seria que esse fosse o único problema. Não é. Outro bem mais grave, é o de o Governo, antes da crise, não ter resolvido os problemas que então já existiam, deixando assim que se criassem problemas ainda mais graves, que, no futuro, teremos de enfrentar em ainda menos condições de o fazer. Este sim, é o grande falhanço deste Governo, e, isto sim, é algo que é preciso que as pessoas percebam até Outubro
."

Bruno Alves no O Insurgente

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