Pena fiscal
"Segundo uma proposta de lei recentemente apresentada, o sigilo bancário pode ser quebrado pela administração fiscal quando o contribuinte revele um enriquecimento patrimonial de 100 000 euros que não seja justificado por fontes de rendimento lícito. Caso a administração fiscal não considere suficiente a justificação dada pelo cidadão para o enriquecimento, é aplicada ao valor apurado uma taxa de imposto de 60%.
Esta proposta é inútil no que respeita à quebra do sigilo bancário e inconstitucional no que toca à taxa de 60%.
Em Portugal há três maneiras de quebrar o sigilo bancário: (1) por ordem de um juiz, nos termos do Código de Processo Penal; (2) por ordem do Ministério Público, nos termos de leis que regulam o tráfico de droga, a criminalidade organizada e económico-financeira, o branqueamento de capitais e a emissão de cheque sem provisão; ou (3) por ordem da administração pública nos casos de indícios da prática de crimes fiscais, da falta de veracidade do declarado pelo contribuinte e de declarações que se afastam significativa- mente das manifestações de riqueza do contribuinte.
A competência do juiz para controlar a quebra do sigilo bancário tem vindo a ser restringida em termos práticos, atribuindo a lei uma competência crescente ao Ministério Público e à administração pública. O Tribunal Constitucional já admitiu a competência do Ministério Público para determinar, sem controlo de um juiz, a quebra do sigilo bancário, mas sublinhou a importância do direito à privacidade. Qualquer proposta que atribua ao Ministério Público ou à administração fiscal uma competência irrestrita para quebrar o sigilo bancário violaria frontalmente esse direito à privacidade.
A proposta de lei apresentada não vai tão longe, mas a competência que atribui à administração fiscal é inútil, porque a administração fiscal já pode ordenar a quebra do sigilo bancário para controlar a declaração de rendimentos falsa ou desproporcional com as manifestações de riqueza do cidadão.
A verdadeira novidade da proposta de lei reside na taxa de 60% que ela prevê para o caso de enriquecimento "irregular". Há duas maneiras de enriquecer: ou se enriquece de forma legal ou se enriquece de forma criminosa. Se uma pessoa enriquece de forma criminosa, todo o enriquecimento deve ser perdido para o Estado. A taxa de imposto de 60% neste caso seria uma benesse para o criminoso. Tal taxa daria à sociedade e aos criminosos um sinal errado de que vale a pena prevaricar, porque sempre se ganharia 40% do produto do crime. Por outro lado, se a pessoa enriqueceu legalmente, a taxa de imposto de 60% é um verdadeiro confisco inconstitucional da propriedade privada. Neste caso, o Estado realizaria uma tributação manifestamente desproprocional de um rendimento legal. Acresce que, em ambos os casos, a taxa de imposto seria uma verdadei- ra pena fiscal aplica- da pela própria administração fiscal, sem as garantias do processo penal. Mais: o contribuinte teria o ónus de provar que não está sujeito à taxa de 60%, nos termos da lei tributária.
Dito de outro modo, o legislador não quer resolver o problema do enriquecimento ilícito de políticos criando uma incriminação aplicável aos políticos, julgada pelos tribunais com as garantias do processo penal. O legislador prefere criar uma verdadeira pena fiscal aplicável a todos os portugueses pela administração fiscal, em causa própria que ela mesma investiga. Ora, o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem já decidiu, em vários processos contra a Suécia, que as taxas de imposto assumem natureza sancionatória quando atingem um montante excessivamente gravoso para o contribuinte e neste caso o contribuinte deve beneficiar das garantias previstas no artigo 6.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem para o processo penal. É bom que o legislador relembre esta jurisprudência e se afaste de um caminho que já foi censurado pelo mais alto Tribunal Europeu. "
Paulo Pinto de Albuquerque
Esta proposta é inútil no que respeita à quebra do sigilo bancário e inconstitucional no que toca à taxa de 60%.
Em Portugal há três maneiras de quebrar o sigilo bancário: (1) por ordem de um juiz, nos termos do Código de Processo Penal; (2) por ordem do Ministério Público, nos termos de leis que regulam o tráfico de droga, a criminalidade organizada e económico-financeira, o branqueamento de capitais e a emissão de cheque sem provisão; ou (3) por ordem da administração pública nos casos de indícios da prática de crimes fiscais, da falta de veracidade do declarado pelo contribuinte e de declarações que se afastam significativa- mente das manifestações de riqueza do contribuinte.
A competência do juiz para controlar a quebra do sigilo bancário tem vindo a ser restringida em termos práticos, atribuindo a lei uma competência crescente ao Ministério Público e à administração pública. O Tribunal Constitucional já admitiu a competência do Ministério Público para determinar, sem controlo de um juiz, a quebra do sigilo bancário, mas sublinhou a importância do direito à privacidade. Qualquer proposta que atribua ao Ministério Público ou à administração fiscal uma competência irrestrita para quebrar o sigilo bancário violaria frontalmente esse direito à privacidade.
A proposta de lei apresentada não vai tão longe, mas a competência que atribui à administração fiscal é inútil, porque a administração fiscal já pode ordenar a quebra do sigilo bancário para controlar a declaração de rendimentos falsa ou desproporcional com as manifestações de riqueza do cidadão.
A verdadeira novidade da proposta de lei reside na taxa de 60% que ela prevê para o caso de enriquecimento "irregular". Há duas maneiras de enriquecer: ou se enriquece de forma legal ou se enriquece de forma criminosa. Se uma pessoa enriquece de forma criminosa, todo o enriquecimento deve ser perdido para o Estado. A taxa de imposto de 60% neste caso seria uma benesse para o criminoso. Tal taxa daria à sociedade e aos criminosos um sinal errado de que vale a pena prevaricar, porque sempre se ganharia 40% do produto do crime. Por outro lado, se a pessoa enriqueceu legalmente, a taxa de imposto de 60% é um verdadeiro confisco inconstitucional da propriedade privada. Neste caso, o Estado realizaria uma tributação manifestamente desproprocional de um rendimento legal. Acresce que, em ambos os casos, a taxa de imposto seria uma verdadei- ra pena fiscal aplica- da pela própria administração fiscal, sem as garantias do processo penal. Mais: o contribuinte teria o ónus de provar que não está sujeito à taxa de 60%, nos termos da lei tributária.
Dito de outro modo, o legislador não quer resolver o problema do enriquecimento ilícito de políticos criando uma incriminação aplicável aos políticos, julgada pelos tribunais com as garantias do processo penal. O legislador prefere criar uma verdadeira pena fiscal aplicável a todos os portugueses pela administração fiscal, em causa própria que ela mesma investiga. Ora, o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem já decidiu, em vários processos contra a Suécia, que as taxas de imposto assumem natureza sancionatória quando atingem um montante excessivamente gravoso para o contribuinte e neste caso o contribuinte deve beneficiar das garantias previstas no artigo 6.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem para o processo penal. É bom que o legislador relembre esta jurisprudência e se afaste de um caminho que já foi censurado pelo mais alto Tribunal Europeu. "
Paulo Pinto de Albuquerque
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