Justiça e política
"Justiça é - pelo menos deveria ser - imparcialidade. Não é por acaso que se deseja de venda nos olhos. Para ser cega precisa de independência. E de autonomia decisória. Imparcialidade, independência, autonomia: todos estes princípios estão salvaguardados na lei; nenhum deles rima com pressão. A entrada repentina da palavra pressão (ou da suspeita de que pode ser exercida) no léxico da Justiça desfere o mais rude golpe na confiança que é suposto nela depositarmos. Se o sistema dá de si próprio a imagem de permeabilidade a pressões - no caso, alegadamente provenientes do universo político - perde todo o capital de credibilidade.
Aqui chegados, não se trata tanto de apurar se existiram efectivamente pressões no "caso Freeport". Deixe-se correr o inquérito, que o mal já está feito - o "parece que..." instalou-se e é, por si só, demasiado danoso. É estranho que alguém cujo estatuto tem mil e uma protecções legais e constitucionais se sinta pressionado por um colega que está exactamente ao mesmo nível, não é sequer superior hierárquico. O ponto, porém, não é esse. O ponto é constatar que episódios desta natureza nascem de promiscuidades geradoras de suspeições.
Lopes da Mota, o homem sobre quem recaem as suspeitas, foi secretário de Estado de um Governo de António Guterres. Fez como tantos outros magistrados, judiciais ou do Ministério Público: largou por uns tempos o poder judicial e foi tomar o sabor ao poder executivo. Estes vasos comunicantes - vou ali num instante fazer política e já volto... - matam a independência da Justiça, fazem da autonomia uma caricatura e retiram aos magistrados o seu mais valioso património: a imparcialidade.
"Os juízes respeitam a separação de poderes e a esfera de atribuições dos outros órgãos de soberania". O princípio, genérico, consta do "compromisso ético" que os juízes, reunidos em congresso, aprovaram no ano passado. Ao compromisso, voluntariamente assumido pela classe, foi anexado um comentário que merece ser transcrito: "o juiz, para preservar a sua independência e imparcialidade, rejeita a participação em actividades políticas ou administrativas que impliquem subordinação a outros órgãos de soberania ou o estabelecimento de relações de confiança política".
A separação de águas, que aquele princípio consagra de forma evidente, constitui um exemplo a seguir. Até para travar os apetites do poder político, ao qual muitas vezes convém nomear um magistrado para que os cidadãos percepcionem como sem mácula - legal, entenda-se - o exercício das funções que lhe são atribuídas. O mais recomendável é que juízes e procuradores não se ponham a jeito. Aos políticos o que é da política, aos magistrados o que é da Justiça. Sem misturas."
Paulo Martins
Aqui chegados, não se trata tanto de apurar se existiram efectivamente pressões no "caso Freeport". Deixe-se correr o inquérito, que o mal já está feito - o "parece que..." instalou-se e é, por si só, demasiado danoso. É estranho que alguém cujo estatuto tem mil e uma protecções legais e constitucionais se sinta pressionado por um colega que está exactamente ao mesmo nível, não é sequer superior hierárquico. O ponto, porém, não é esse. O ponto é constatar que episódios desta natureza nascem de promiscuidades geradoras de suspeições.
Lopes da Mota, o homem sobre quem recaem as suspeitas, foi secretário de Estado de um Governo de António Guterres. Fez como tantos outros magistrados, judiciais ou do Ministério Público: largou por uns tempos o poder judicial e foi tomar o sabor ao poder executivo. Estes vasos comunicantes - vou ali num instante fazer política e já volto... - matam a independência da Justiça, fazem da autonomia uma caricatura e retiram aos magistrados o seu mais valioso património: a imparcialidade.
"Os juízes respeitam a separação de poderes e a esfera de atribuições dos outros órgãos de soberania". O princípio, genérico, consta do "compromisso ético" que os juízes, reunidos em congresso, aprovaram no ano passado. Ao compromisso, voluntariamente assumido pela classe, foi anexado um comentário que merece ser transcrito: "o juiz, para preservar a sua independência e imparcialidade, rejeita a participação em actividades políticas ou administrativas que impliquem subordinação a outros órgãos de soberania ou o estabelecimento de relações de confiança política".
A separação de águas, que aquele princípio consagra de forma evidente, constitui um exemplo a seguir. Até para travar os apetites do poder político, ao qual muitas vezes convém nomear um magistrado para que os cidadãos percepcionem como sem mácula - legal, entenda-se - o exercício das funções que lhe são atribuídas. O mais recomendável é que juízes e procuradores não se ponham a jeito. Aos políticos o que é da política, aos magistrados o que é da Justiça. Sem misturas."
Paulo Martins
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