Marinho Pinto: a oportunidade perdida
"O bastonário da Ordem dos Advogados perdeu o controlo. Não há nada pior do que o curandeiro que mata em vez de salvar. Marinho Pinto já conseguiu uma coisa extraordinária que mais ninguém esteve próximo de alcançar. Entrevistado pelo jornal da TVI, o impulsivo bastonário da Ordem dos Advogados perdeu de tal forma a cabeça que até Manuela Moura Guedes pareceu objectiva, calma e racional.
Moura Guedes tem várias pulsões justiceiras, todas elas bem conhecidas. O bastonário sabia as regras do jogo, os riscos e as vantagens do confronto no ringue da TVI. Mas não é o estilo da jornalista que interessa debater, nem a contundência da informação que ela coordena com evidente êxito comercial: o "Jornal Nacional" é de longe o noticiário mais visto e musculado do país.
Quem deve estar sob escrutínio é, justamente, Marinho Pinto. A razão é simples: apesar de já ter sido jornalista de causas, ele não é uma estrela televisiva ou de telenovela. Ao contrário do que provavelmente pensa, não é sequer um comentador livre de dizer o que lhe apetece. Muito menos pode achar-se um sindicalista mandatado para proteger o interesse exclusivo de uma classe profissional. Ele tem outras obrigações.
Os advogados são essenciais para defender as pessoas e as empresas - entre elas e contra o Estado.
É uma função essencial em democracia. O bastonário deveria ser o sólido amparo de todos eles, não o kamikaze que só ataca, desvaloriza e subtrai. Desde que ganhou as eleições, Marinho só reduziu o poder que representa: acha-se um salvador, julga-se o messias que prega virtudes e denuncia podres e imoralidades. Está enganado. Ser bastonário não é usar o bastão indiscriminadamente. É usar o poder sem espalhafato para melhorar as garantias que protegem os direitos e as liberdades das pessoas. Representar os advogados é apenas um instrumento para este fim.
Numa sociedade tão fechada como a portuguesa, poderia até ser um óptimo sinal ter gente improvável à frente de cargos de responsabilidade. O statu quo, dinamitado por dentro, poderia começar a ceder mais depressa. Às vezes, Marinho Pinto até tem colocado o dedo na ferida: a falta de independência da magistratura, as relações promíscuas entre os poderes económico e o político, a fragilidade das investigações judiciais, a incompetência das leis e a brandura com que se são tratados os poderosos.
No entanto, entre a acusação óbvia e a crítica documentada há uma enorme diferença: a diferença entre o demagogo e o líder consequente. Foi nisto que Marinho se transformou: num bastonário ruidoso, que perdeu a credibilidade e, com ela, a hipótese de ajudar o país. A sua exaltação tem sido fatal: em vez de clarificar as dúvidas, deu argumentos para que os seus alvos se vitimizassem. Hoje, é legítimo duvidar de tantas acusações e de tanta teoria da conspiração. Felizmente, Marinho está a prazo - embora a luta para o derrubar prometa ser intestina. Mas quando, um dia, se for embora, os disparates levarão tempo a sarar. O bastonário descamisado pôs a nu um país impreparado. Voltámos ao PREC, agora sem justificação"
André Macedo
Moura Guedes tem várias pulsões justiceiras, todas elas bem conhecidas. O bastonário sabia as regras do jogo, os riscos e as vantagens do confronto no ringue da TVI. Mas não é o estilo da jornalista que interessa debater, nem a contundência da informação que ela coordena com evidente êxito comercial: o "Jornal Nacional" é de longe o noticiário mais visto e musculado do país.
Quem deve estar sob escrutínio é, justamente, Marinho Pinto. A razão é simples: apesar de já ter sido jornalista de causas, ele não é uma estrela televisiva ou de telenovela. Ao contrário do que provavelmente pensa, não é sequer um comentador livre de dizer o que lhe apetece. Muito menos pode achar-se um sindicalista mandatado para proteger o interesse exclusivo de uma classe profissional. Ele tem outras obrigações.
Os advogados são essenciais para defender as pessoas e as empresas - entre elas e contra o Estado.
É uma função essencial em democracia. O bastonário deveria ser o sólido amparo de todos eles, não o kamikaze que só ataca, desvaloriza e subtrai. Desde que ganhou as eleições, Marinho só reduziu o poder que representa: acha-se um salvador, julga-se o messias que prega virtudes e denuncia podres e imoralidades. Está enganado. Ser bastonário não é usar o bastão indiscriminadamente. É usar o poder sem espalhafato para melhorar as garantias que protegem os direitos e as liberdades das pessoas. Representar os advogados é apenas um instrumento para este fim.
Numa sociedade tão fechada como a portuguesa, poderia até ser um óptimo sinal ter gente improvável à frente de cargos de responsabilidade. O statu quo, dinamitado por dentro, poderia começar a ceder mais depressa. Às vezes, Marinho Pinto até tem colocado o dedo na ferida: a falta de independência da magistratura, as relações promíscuas entre os poderes económico e o político, a fragilidade das investigações judiciais, a incompetência das leis e a brandura com que se são tratados os poderosos.
No entanto, entre a acusação óbvia e a crítica documentada há uma enorme diferença: a diferença entre o demagogo e o líder consequente. Foi nisto que Marinho se transformou: num bastonário ruidoso, que perdeu a credibilidade e, com ela, a hipótese de ajudar o país. A sua exaltação tem sido fatal: em vez de clarificar as dúvidas, deu argumentos para que os seus alvos se vitimizassem. Hoje, é legítimo duvidar de tantas acusações e de tanta teoria da conspiração. Felizmente, Marinho está a prazo - embora a luta para o derrubar prometa ser intestina. Mas quando, um dia, se for embora, os disparates levarão tempo a sarar. O bastonário descamisado pôs a nu um país impreparado. Voltámos ao PREC, agora sem justificação"
André Macedo
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