Criar casos
"A pequena Maddie. A pequena Joana. A pequena Esmeralda. Agora, a pequena Alexandra. Independentemente das histórias, algumas trágicas, os portugueses deram em se apaixonar por "casos" do género. O último envolve uma menina russa, que um juiz retirou dos pais de criação (nacionais) e devolveu à mãe verdadeira ("biológica", no jargão da moda).
Fez bem? Fez mal? Evidentemente não tenho, nem poderia ter, qualquer opinião na matéria. Por feliz coincidência, o resto do país opina por mim, e opina com particular virulência sobretudo desde que um vídeo mostrou a mãe ("biológica") a desferir umas palmadas na filha. Ao que parece, em Portugal acha-se escandaloso que a educação de uma criança possa incluir o ocasional tabefe, atitude que explica o nível educativo das nossas crianças mas que não é o ponto.
O ponto é que coisas assim constituem um inegável abono para as audiências das televisões, que farejam cada "caso" a fim de o transformar numa prolongada novela, e para as consciências dos cidadãos, que se aliviam de uma curiosa vocação justiceira. Problemáticos são os tempos mortos, já que as televisões e os cidadãos ainda se restringem aos "casos" arrancados (literalmente) à realidade.
A alternativa é inventar "casos" a partir do nada. Sugiro um concurso. Escolhe-se uma criança órfã, por exemplo a pequena Maria, e seleccionam-se, num casting, os diversos casais concorrentes à paternidade (incluindo um par gay para evitar acusações de discriminação). Dentro de casas distintas e simuladas em estúdio, a pequena Maria vai sendo criada por um casal à vez durante períodos fixos e em regime rotativo. Através de chamadas de valor acrescentado, sms e e-mails, os espectadores votam no casal que desejam eliminar, guiados pelos consensos contemporâneos em volta do "amor", da "compreensão" e do "voyeurismo". Depois de uns anos nisto, ganha o casal que escapar às sucessivas eliminações, presumivelmente aquele que mais estimulou a "criatividade" da pequena Maria e melhor a ensinou a espatifar um telemóvel no crânio de uma docente.
Naturalmente, a pequena e criativa Maria será o prémio dos vencedores. O gozo de decidir vidas alheias será o nosso."
Fez bem? Fez mal? Evidentemente não tenho, nem poderia ter, qualquer opinião na matéria. Por feliz coincidência, o resto do país opina por mim, e opina com particular virulência sobretudo desde que um vídeo mostrou a mãe ("biológica") a desferir umas palmadas na filha. Ao que parece, em Portugal acha-se escandaloso que a educação de uma criança possa incluir o ocasional tabefe, atitude que explica o nível educativo das nossas crianças mas que não é o ponto.
O ponto é que coisas assim constituem um inegável abono para as audiências das televisões, que farejam cada "caso" a fim de o transformar numa prolongada novela, e para as consciências dos cidadãos, que se aliviam de uma curiosa vocação justiceira. Problemáticos são os tempos mortos, já que as televisões e os cidadãos ainda se restringem aos "casos" arrancados (literalmente) à realidade.
A alternativa é inventar "casos" a partir do nada. Sugiro um concurso. Escolhe-se uma criança órfã, por exemplo a pequena Maria, e seleccionam-se, num casting, os diversos casais concorrentes à paternidade (incluindo um par gay para evitar acusações de discriminação). Dentro de casas distintas e simuladas em estúdio, a pequena Maria vai sendo criada por um casal à vez durante períodos fixos e em regime rotativo. Através de chamadas de valor acrescentado, sms e e-mails, os espectadores votam no casal que desejam eliminar, guiados pelos consensos contemporâneos em volta do "amor", da "compreensão" e do "voyeurismo". Depois de uns anos nisto, ganha o casal que escapar às sucessivas eliminações, presumivelmente aquele que mais estimulou a "criatividade" da pequena Maria e melhor a ensinou a espatifar um telemóvel no crânio de uma docente.
Naturalmente, a pequena e criativa Maria será o prémio dos vencedores. O gozo de decidir vidas alheias será o nosso."
Alberto Gonçalves
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