Pobres de nós, contribuintes
"Há quase uma década que as contas públicas nos perseguem. Os portugueses foram pagando cada vez mais impostos e recebendo cada vez menos do Estado. E misteriosamente o "monstro" do défice público continua bem vivo e gordo.
Dois aumentos de IVA, engenharias fiscais várias e narcotizantes, propinas na educação superior, taxas moderadoras na saúde, menos apoios nos medicamentos, reduções nas pensões de reforma, limites nos subsídios de desemprego e doença, cortes na função pública...
Várias tributações a mais, benefícios a menos, serviços sem melhorias visíveis e o défice público continua elevado.
É extraordinária a incapacidade que os governos desta década revelaram em domar "o monstro", como Cavaco Silva lhe chamou uma vez em finais dos anos 90. Durão Barroso, Santana Lopes e José Sócrates, é preciso acreditar, quiseram genuinamente resolver o problema. O actual primeiro--ministro corre o sério risco de ser castigado nas próximas eleições legislativas pelas batalhas que travou com o objectivo de disciplinar as contas públicas.
A agressividade e autoritarismo que hoje se vê em Sócrates, quando antes se via combatividade e persistência, são o efeito nele e nos portugueses de não se ter vencido o "monstro". Apesar de todos sentirmos hoje que o "monstro" nos dá menos apesar de nós darmos mais ao "monstro".
O que justifica que pessoas de indiscutível valor e vontade de controlar a despesa pública, como Manuela Ferreira Leite, Bagão Félix e hoje Fernando Teixeira dos Santos, nenhuns progressos tenham feito?
Manuela Ferreira Leite inaugurou algumas práticas que os seus sucessores seguiram. Começou com a descoberta dos "buracos" do governo anterior, validados pelo Banco de Portugal. José Sócrates caiu na mesma tentação. Um e outro, nem que seja parcialmente, ganharam margem para gastar mais, culpando o passado.
Manuela Ferreira Leite generalizou também a prática - já antes feita com Manuela Arcanjo - da receita extraordinária, com a famosa concessão da CRIL e a venda de dívidas fiscais, e a sempre desmentida engenharia de retirar os hospitais do universo do Estado. Bagão Félix agarrou-se a essa técnica e conseguiu retirar à CGD o seu fundo de pensões.
José Sócrates tentou resistir à receita extraordinária. Mas o "monstro" também o arrastou. O seu ministro das Finanças conseguiu marcar 2007 como o único ano em que se cumpriu o Pacto de Estabilidade sem medidas temporárias. Mas no ano passado foram-se buscar receitas ao futuro, alargando o prazo de concessões e criando outras, para fazer de conta que as contas públicas estavam equilibradas.
A cultura de um povo é sempre o argumento que se vai desenterrar quando já não se consegue encontrar mais nenhum. Mas uma década de derrota no combate ao défice público - e uma história ainda mais longa de indisciplina financeira - pode já ser suficiente para nos escudarmos na "cultura do povo". Que é afinal assim que nos vê o Norte da Europa, mais disciplinado.
Mudar a "cultura" para matar o "monstro" da despesa pública é, a cada pedido de apoio, gritar bem alto quanto é em IRS ou em IVA pago por todos nós. Talvez assim se consiga acabar de vez com o problema das contas públicas."
Helena Garrido
Dois aumentos de IVA, engenharias fiscais várias e narcotizantes, propinas na educação superior, taxas moderadoras na saúde, menos apoios nos medicamentos, reduções nas pensões de reforma, limites nos subsídios de desemprego e doença, cortes na função pública...
Várias tributações a mais, benefícios a menos, serviços sem melhorias visíveis e o défice público continua elevado.
É extraordinária a incapacidade que os governos desta década revelaram em domar "o monstro", como Cavaco Silva lhe chamou uma vez em finais dos anos 90. Durão Barroso, Santana Lopes e José Sócrates, é preciso acreditar, quiseram genuinamente resolver o problema. O actual primeiro--ministro corre o sério risco de ser castigado nas próximas eleições legislativas pelas batalhas que travou com o objectivo de disciplinar as contas públicas.
A agressividade e autoritarismo que hoje se vê em Sócrates, quando antes se via combatividade e persistência, são o efeito nele e nos portugueses de não se ter vencido o "monstro". Apesar de todos sentirmos hoje que o "monstro" nos dá menos apesar de nós darmos mais ao "monstro".
O que justifica que pessoas de indiscutível valor e vontade de controlar a despesa pública, como Manuela Ferreira Leite, Bagão Félix e hoje Fernando Teixeira dos Santos, nenhuns progressos tenham feito?
Manuela Ferreira Leite inaugurou algumas práticas que os seus sucessores seguiram. Começou com a descoberta dos "buracos" do governo anterior, validados pelo Banco de Portugal. José Sócrates caiu na mesma tentação. Um e outro, nem que seja parcialmente, ganharam margem para gastar mais, culpando o passado.
Manuela Ferreira Leite generalizou também a prática - já antes feita com Manuela Arcanjo - da receita extraordinária, com a famosa concessão da CRIL e a venda de dívidas fiscais, e a sempre desmentida engenharia de retirar os hospitais do universo do Estado. Bagão Félix agarrou-se a essa técnica e conseguiu retirar à CGD o seu fundo de pensões.
José Sócrates tentou resistir à receita extraordinária. Mas o "monstro" também o arrastou. O seu ministro das Finanças conseguiu marcar 2007 como o único ano em que se cumpriu o Pacto de Estabilidade sem medidas temporárias. Mas no ano passado foram-se buscar receitas ao futuro, alargando o prazo de concessões e criando outras, para fazer de conta que as contas públicas estavam equilibradas.
A cultura de um povo é sempre o argumento que se vai desenterrar quando já não se consegue encontrar mais nenhum. Mas uma década de derrota no combate ao défice público - e uma história ainda mais longa de indisciplina financeira - pode já ser suficiente para nos escudarmos na "cultura do povo". Que é afinal assim que nos vê o Norte da Europa, mais disciplinado.
Mudar a "cultura" para matar o "monstro" da despesa pública é, a cada pedido de apoio, gritar bem alto quanto é em IRS ou em IVA pago por todos nós. Talvez assim se consiga acabar de vez com o problema das contas públicas."
Helena Garrido
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