segunda-feira, julho 13, 2009

O trabalho, a finança e a globalização

CARITAS IN VERITATE
64. Ao reflectir sobre este tema do trabalho, é oportuna uma chamada de atenção também para a urgente necessidade de as organizações sindicais dos trabalhadores – desde sempre encorajadas e apoiadas pela Igreja — se abrirem às novas perspectivas que surgem no âmbito laboral.
Superando as limitações próprias dos sindicatos de categoria, as organizações sindicais são chamadas a responsabilizar-se pelos novos problemas das nossas sociedades: refiro-me, por exemplo, ao conjunto de questões que os peritos de ciências sociais identificam no conflito entre pessoa-trabalhadora e pessoa-consumidora.
Sem ter necessariamente de abraçar a tese duma efectiva passagem da centralidade do trabalhador para a do consumidor, parece em todo o caso que também este seja um terreno para experiências sindicais inovadoras.
O contexto global em que se realiza o trabalho requer igualmente que as organizações sindicais nacionais, fechadas prevalentemente na defesa dos interesses dos próprios inscritos, volvam o olhar também para os não inscritos, particularmente para os trabalhadores dos países em vias de desenvolvimento, onde frequentemente os direitos sociais são violados.
A defesa destes trabalhadores, promovida com oportunas iniciativas também nos países de origem, permitirá às organizações sindicais porem em evidência as autênticas razões éticas e culturais que lhes consentiram, em contextos sociais e laborais diferentes, ser um factor decisivo para o desenvolvimento.
Continua sempre válido o ensinamento da Igreja que propõe a distinção de papéis e funções entre sindicato e política.
Esta distinção possibilitará às organizações sindicais individualizarem na sociedade civil o âmbito mais ajustado para a sua acção necessária de defesa e promoção do mundo do trabalho, sobretudo a favor dos trabalhadores explorados e não representados, cuja amarga condição resulta frequentemente ignorada pelo olhar distraído da sociedade.

65. Em seguida, é preciso que as finanças enquanto tais — com estruturas e modalidades de funcionamento necessariamente renovadas depois da sua má utilização que prejudicou a economia real — voltem a ser um instrumento que tenha em vista a melhor produção de riqueza e o desenvolvimento.
Enquanto instrumentos, a economia e as finanças em toda a respectiva extensão, e não apenas em alguns dos seus sectores, devem ser utilizadas de modo ético a fim de criar as condições adequadas para o desenvolvimento do homem e dos povos.
É certamente útil, senão mesmo indispensável em certas circunstâncias, dar vida a iniciativas financeiras nas quais predomine a dimensão humanitária. Isto, porém, não deve fazer esquecer que o inteiro sistema financeiro deve ser orientado para dar apoio a um verdadeiro desenvolvimento.
Sobretudo, é necessário que não se contraponha o intuito de fazer o bem ao da efectiva capacidade de produzir bens.
Os operadores das finanças devem redescobrir o fundamento ético próprio da sua actividade, para não abusarem de instrumentos sofisticados que possam atraiçoar os aforradores.
Recta intenção, transparência e busca de bons resultados são compatíveis entre si e não devem jamais ser separados.
Se o amor é inteligente, sabe encontrar também os modos para agir segundo uma previdente e justa conveniência, como significativamente indicam muitas experiências no campo do crédito cooperativo.
Tanto uma regulamentação do sector capaz de assegurar os sujeitos mais débeis e impedir escandalosas especulações, como a experimentação de novas formas de financiamento destinadas a favorecer projectos de desenvolvimento, são experiências positivas que hão-de ser aprofundadas e encorajadas, invocando a responsabilidade própria do aforrador.
Também a experiência do micro-financiamento, que mergulha as próprias raízes na reflexão e nas obras dos humanistas civis (penso nomeadamente no nascimento dos montepios), há-de ser revigorada e sistematizada, sobretudo nestes tempos em que os problemas financeiros podem tornar-se dramáticos para muitos sectores mais vulneráveis da população, que devem ser tutelados dos riscos de usura ou do desespero.
Os sujeitos mais débeis hão-de ser educados para se defender da usura, do mesmo modo que os povos pobres devem ser educados para tirar real vantagem do micro-crédito, desencorajando assim as formas de exploração possíveis nestes dois campos.
Uma vez que existem novas formas de pobreza também nos países ricos, o micro-financiamento pode proporcionar ajudas concretas para a criação de iniciativas e sectores novos em favor das classes débeis da sociedade mesmo numa fase de possível empobrecimento da própria sociedade.

66. A interligação mundial fez surgir um novo poder político: o dos consumidores e das suas associações. Trata-se de um fenómeno carecido de aprofundamento, com elementos positivos que hão-de ser incentivados e excessos que se devem evitar.
É bom que as pessoas ganhem consciência de que a acção de comprar é sempre um acto moral, para além de económico.
Por isso, ao lado da responsabilidade social da empresa, há uma específica responsabilidade social do consumidor. Este há-de ser educado[145], sem cessar, para o papel que exerce diariamente e que pode desempenhar no respeito dos princípios morais, sem diminuir a racionalidade económica intrínseca ao acto de comprar.
Também no sector das compras — precisamente em tempos como os que se estão experimentando e que vêem o poder de compra reduzir-se, devendo por conseguinte consumir com maior sobriedade — é necessário percorrer outras estradas como, por exemplo, formas de cooperação para as compras à semelhança das cooperativas de consumo activas a partir do século XIX graças à iniciativa dos católicos.
Além disso, é útil favorecer formas novas de comercialização de produtos provenientes de áreas pobres da terra para garantir uma retribuição decente aos produtores, contanto que se trate de um mercado verdadeiramente transparente, que os produtores não usufruam apenas de uma margem maior de lucro mas também de maior formação, profissionalização e tecnologia, e que, enfim, não se incluam em tais experiências de economia visões ideológicas de parte.
Um papel mais incisivo dos consumidores, desde que não sejam eles próprios manipulados por associações não verdadeiramente representativas, é desejável como factor de democracia económica.

Divulgue o seu blog!