quinta-feira, setembro 24, 2009

Sócrates, Louçã e os PPR

"José Sócrates clama contra Manuela Ferreira Leite acusando-a de querer "privatizar" as pensões de reforma. Francisco Louçã segue uma linha semelhante quando defende a extinção dos benefícios fiscais aos planos poupança-reforma (PPR). Ambos deviam pensar duas vezes antes de se enredarem em contradições quando abordam esta matéria.

Comecemos pelo PS. Diversas organizações internacionais elogiaram as mudanças introduzidas pelo actual Governo na fórmula de cálculo das pensões de reforma. Sublinharam a circunstância de os novos critérios, ao incluírem factores como a esperança de vida, terem fornecido melhores perspectivas de sobrevivência do sistema público e de adiamento da sua ruptura financeira. Nesta frente, Sócrates deixa obra feita e bem feita.

Acontece que as alterações têm um custo. As pensões de reforma futuras serão mais baixas e há quem preveja que, pelos meados do século, ter-se-ão reduzido para cerca de metade em comparação com os valores previstos antes das mudanças operadas pelo Governo. A factura é incontornável: a Segurança Social pagará menos, mas acredita-se que terá meios para pagar alguma coisa.

Foi por esta razão que o Governo decidiu não mexer nos incentivos fiscais aos PPR e até avançou com um produto concorrente, os "certificados de reforma", disponíveis para quem aceite aumentar os descontos efectuados sobre os seus rendimentos. O dinheiro assim obtido é aplicado nos mercados de capitais, em obrigações, acções e outros activos, num sistema de capitalização que visa garantir um complemento à pensão de reforma que será suportada pelo Estado.

É aqui que Sócrates tropeça quando critica quem, no seu entendimento, quer confiar as pensões à "especulação bolsista". Se, de facto, não estivesse apenas a tentar dizer aquilo que os eleitores mais à esquerda querem escutar, jamais teria criado os tais "certificados de reforma" que confiam na valorização dos activos cotados em bolsa para fazerem crescer o dinheiro dos contribuintes. Se isto é entregar as reformas à "especulação bolsista", então Sócrates está muito mais próximo do que quer fazer parecer de Manuela Ferreira Leite, quando a líder social-democrata abre a possibilidade de as contribuições efectuadas pelos titulares de rendimentos mais elevados serem limitadas para que o dinheiro assim libertado possa ser aplicado em produtos de investimento.

Quanto a Francisco Louçã, enquanto prega contra os planos poupança-reforma, descobre-se que, afinal, também tinha subscrito um. Pelo que declarou, percebe-se que terá apostado num PPR de má qualidade e que terá decidido proceder ao respectivo resgate. Acontece que a baixa rendibilidade é, de facto, um dos problemas mais graves da grande parte dos PPR que estão no mercado, mas a generalização é injusta para os produtos que cumprem a expectativa de proporcionar retornos reais para quem neles investe com uma perspectiva de longo prazo.

Num país que enfrenta um grave problema de excesso de endividamento, extinguir benefícios fiscais à poupança é um erro em que o Bloco de Esquerda só vê virtudes. Por causa de um constrangimento estrutural que vai limitar o crescimento da economia nos próximos anos e porque é prudente poupar para evitar uma forte quebra dos rendimentos quando chegar a hora da reforma, faria todo o sentido premiar as aplicações de longo prazo, independentemente de serem feitas em PPR. Haveria mais concorrência, o que obrigaria seguradoras e bancos a serem mais cuidadosos na gestão do dinheiro dos clientes.

A batalha de Louçã deveria ser outra, por um motivo adicional. Chama-se transparência. O "marketing" das instituições financeiras e dos próprios "certificados de reforma" geridos pelo Estado preocupa-se mais com o factor de atracção dos benefícios fiscais do que com a informação e prestação de contas aos clientes. É por esta razão, como Francisco Louçã já terá percebido por experiência própria, que centenas de milhares de aforradores estão a ser enganados. O Estado dá o incentivo mas demite-se de exigir boas práticas a quem comercializa os PPR. Acabar, simplesmente, com o benefício fiscal, não resolverá este problema
."

João Cândido da Silva

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