terça-feira, outubro 27, 2009

Big Brother dos famosos.

"A título de declaração de interesses, como parece estar em voga, informo que conheço o Ricardo Araújo Pereira (e, menos, o Zé Diogo Quintela) de dois ou três jantares e o ocasional e-mail ou telefonema. Acrescento que achei os Gato Fedorento dos primórdios um milagre que aconteceu à comédia nacional, depois achei o Magazine e o Zé Carlos um nadinha institucionais e acho o Esmiúça os Sufrágios, que agora acaba, uma alternativa decentíssima ao Daily Show, sem os respectivos meios técnicos e sem um apresentador que, como Jon Stewart desde há um par de anos, exibe desagradavelmente a influência entretanto acumulada.

O problema de Esmiúça os Sufrágios esteve nas entrevistas. A primeira parte, em que tínhamos Gato Fedorento a sério, era muito boa. A segunda parte, em que tínhamos políticos a brincar, nem por isso. A culpa não coube ao Ricardo, coube aos políticos que tentaram competir com ele em graça e, não possuindo nenhuma, obrigaram-no, por pudor, a conter a própria. A excepção aos políticos desengraçados foi Marcelo Rebelo de Sousa, cujo brilho intelectual o distingue no meio. A excepção aos políticos todos foi Cavaco Silva, que pura e simplesmente declinou o convite.

Nas caixas de comentários da Internet, a recusa de Cavaco nem sempre mereceu aplausos. Inúmeros cidadãos julgaram a atitude sobranceira, sob o argumento, presumo, de que um chefe de Estado não está acima de um espectáculo de humor. Sucede que, embora eu me incline a preferir o segundo ao primeiro, simbólica e tecnicamente está. E o exemplo de Barack Obama, citado com frequência, não me convence do contrário. Em Março passado, Obama fez o que, que eu saiba, apenas um presidente americano em funções (Gerald Ford, numa aparição assaz discreta no Saturday Night Live) fizera: participar num programa de entretenimento, no caso o Tonight Show, então de Jay Leno.

Obama é, pois, a mera consagração de uma tendência, a do estadista enquanto vedeta de variedades, capaz dos maiores malabarismos a fim de agradar ao paladar das massas e passar pelo sujeito "descontraído" e "irreverente" que a época pede. Se, mesmo assim, parte das massas desconfia, Obama troca a descontracção pela velha tesoura e tenta silenciar dissidências (ver, por favor, a ofensiva em curso da Casa Branca contra a Fox News). Por vezes, a distância entre a informalidade e a impaciência é curta. O facto de, em abono de uma dúbia "popularidade", os políticos contemporâneos se submeterem a tristes figuras não os torna melhores políticos nem, com certeza, pessoas mais tolerantes.

De resto, não é necessário recorrer à América para ver governantes passear "jovialidade" nuns canais e censurar outros. E não é preciso recorrer a Esmiúça os Sufrágios para ver a classe política em geral em prestações embaraçosas. Ainda recentemente, a história das "escutas" mostrou que Cavaco não é imune ao ridículo, mas o "não" aos Gato Fedorento mostrou que o ridículo dele tem limites. A haver um único político que os tenha, é bom que seja o Presidente da República. Já basta o que basta
. "

Alberto Gonçalves

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