terça-feira, novembro 10, 2009

Os mistérios da fé

"Barack Obama foi eleito presidente sob o signo da "mudança" e da veneração mais ou menos unânime. Um ano depois, a veneração persiste onde Obama nada mudou e sumiu onde Obama tentou mudar.

Entre os americanos, estranha e injustamente os únicos habilitados a eleger o seu presidente, a aura deste murchou. As sondagens locais, que há curtos meses eram de uma estratosférica simpatia para com o homem, hoje caíram para valores terrenos e, se atendermos à brevidade do mandato, se calhar um bocadinho abaixo de terrenos. De acordo com as variações nas empresas do ramo, a taxa de desaprovação de Obama vai dos 41% aos 51%. Se as presidenciais fossem agora, apenas 43% dos cidadãos votariam nele, face aos 48% que votariam noutro qualquer, sobretudo, no que toca aos democratas, se o "outro qualquer" se chamasse Hillary. Além das recentíssimas derrotas nos governos da Virgínia e de Nova Jérsia, também é notável o pormenor de, pela primeira vez, o número de americanos que culpam Obama pela situação económica se aproximar do número dos que ainda culpam Bush.

A economia, aliás, não é alheia ao relativo fracasso desta presidência. Parece que os contribuintes não apreciaram ver o seu dinheiro empregue no resgate de firmas falidas. Os incontáveis milhares de milhões espatifados nos famosos bailouts, com que a tese oficial explica a hipotética retoma em curso, constituíram na opinião de muitos um factor de atraso da dita retoma. No resto da frente interna, Obama luta por uma reforma do sistema de saúde de que a considerável maioria discorda e, segundo os acólitos, a sua proeza maior consistiu na nomeação da primeira hispânica para o Supremo Tribunal.

Na frente internacional, Obama fez discursos, imensos discursos, sempre perfeitos (o teleponto ajuda) e inconsequentes (o mundo não ajuda). O Iraque, essa "guerra injusta", não mudou (excepto na dimensão e na frequência dos atentados). O Afeganistão, a "guerra justa", não mudou (excepto na probabilidade de derrota). O Irão não mudou (excepto na proximidade da bomba). Guantánamo não mudou (excepto na geografia: os novos suspeitos de terrorismo são detidos na base de Bagram). O Patriotic Act não mudou (excepto, se vier a mudar, contra a vontade da Casa Branca). Etc.

Não se trata sequer de alterações cosméticas: trata-se de alteração nenhuma. Nos acertos e nas asneiras, a política externa de Obama é a de George W. Bush, descontadas a retórica bastante mais conciliatória, a prática ligeiramente mais confusa e o divertido Nobel da Paz. Por essa Europa fora, alguns já notaram a evidência e choram a desilusão em público. Mas quase todos os que, fora da América, viram em Obama o Messias continuam a preferir a imagem à realidade. É natural: não há culto sem fé
."

Alberto Gonçalves

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