Dormir com o estripador
"Pouco depois da agressão a Berlusconi, um blogue português explicava o sucedido: "O que a democracia não resolve, resolve o povo!" A distinção é velha, e sempre engraçada. Uma coisa é o processo democrático, legitimado por massas alienadas que tendem a resignar-se à "normalidade" liberal. Outra coisa, muito mais bonita, é o "povo" enquanto entidade mítica. Não importa se o "povo" é formado por milhões, milhares ou centenas de pessoas. Aliás, não importa se o "povo" consiste apenas numa única criatura. Importa é que realize os nossos sonhos, incluindo o de espatifar o rosto de um velho ou, de modo genérico, o de arrasar os símbolos da "opressão" que estiverem a jeito.
É evidente que o "povo" com dinheiro e tempo disponíveis esteve em acção nas ruas de Copenhaga, vagamente a pretexto da Cimeira do clima. Aí, na falta de um estadista desprotegido, a fúria libertadora aliviou-se, sob a forma de pedregulhos, na polícia e em edifícios públicos. Parece que a palavra de ordem era "Queremos justiça climática!", embora o conceito, de tão absurdo, pudesse ter sido substituído sem prejuízo por qualquer frase, incluindo "Não gostamos de goiabada!" ou "Viva o chapéu de aba larga!". Durante a destruição, uma "activista" feliz berrava com maior precisão: "Isto é o que uma democracia deve ser!", por oposição, deduz-se, ao aborrecimento de colocar o voto na urna e acatar a vontade da maioria.
O blogue acima citado é de extrema-esquerda. Provavelmente, a "activista" feliz também o será. Mas não pretendo restringir politicamente o estilo. Manifestantes da esquerda e skinheads da extrema-direita guiam-se por um princípio idêntico: o de que a distância entre o mundo real e o mundo que as suas cabecinhas, rapadas ou não, desejam deve ser corrigida pela violência. A arrogância totalitária e a aversão ao "sistema" não dependem da margem partidária que se integra. Já a resposta do "sistema", que tolera o ódio ideológico como não tolera o ódio racial, sim. A agressão a Berlusconi e, sobretudo, os arruaceiros de Copenhaga mereceram do público uma "compreensão" que, não sendo inédita, não augura nada de bom. Um dia, a diferença de tratamento cobrará um preço: é escusado fugir do estrangulador de Boston para em seguida dormir com o estripador de Rostov.
Haja esperança. Acredite-se ou não na lenda do "aquecimento global", as notícias do fracasso da Cimeira de Copenhaga são altamente exageradas. Ao menos conseguiu-se que alguns dos "activistas" que foram à Dinamarca observar o evento (e destruir as zonas envolventes) cortassem o cabelo. Parece que a medida ocorreu em protesto contra a falta de um acordo entre os líderes presentes. Não importa. Importa que, no seu afã contestatário, os militantes do ambiente também costumam contestar os procedimentos da higiene básica, o que lhes confere, digamos, um ambiente pouco asseado. Por isso, rapar cabeças que constituem o sonho de lêndeas e derivados é, além de alternativa à violência, uma atitude coerente com a defesa de um mundo mais limpo, afinal o autêntico objectivo desta Cimeira. Se houver outra, caso o mundo não acabe entretanto, é possível que os activistas aumentem o nível de protesto e enfim tomem banho integral."
Alberto Gonçalves
É evidente que o "povo" com dinheiro e tempo disponíveis esteve em acção nas ruas de Copenhaga, vagamente a pretexto da Cimeira do clima. Aí, na falta de um estadista desprotegido, a fúria libertadora aliviou-se, sob a forma de pedregulhos, na polícia e em edifícios públicos. Parece que a palavra de ordem era "Queremos justiça climática!", embora o conceito, de tão absurdo, pudesse ter sido substituído sem prejuízo por qualquer frase, incluindo "Não gostamos de goiabada!" ou "Viva o chapéu de aba larga!". Durante a destruição, uma "activista" feliz berrava com maior precisão: "Isto é o que uma democracia deve ser!", por oposição, deduz-se, ao aborrecimento de colocar o voto na urna e acatar a vontade da maioria.
O blogue acima citado é de extrema-esquerda. Provavelmente, a "activista" feliz também o será. Mas não pretendo restringir politicamente o estilo. Manifestantes da esquerda e skinheads da extrema-direita guiam-se por um princípio idêntico: o de que a distância entre o mundo real e o mundo que as suas cabecinhas, rapadas ou não, desejam deve ser corrigida pela violência. A arrogância totalitária e a aversão ao "sistema" não dependem da margem partidária que se integra. Já a resposta do "sistema", que tolera o ódio ideológico como não tolera o ódio racial, sim. A agressão a Berlusconi e, sobretudo, os arruaceiros de Copenhaga mereceram do público uma "compreensão" que, não sendo inédita, não augura nada de bom. Um dia, a diferença de tratamento cobrará um preço: é escusado fugir do estrangulador de Boston para em seguida dormir com o estripador de Rostov.
Haja esperança. Acredite-se ou não na lenda do "aquecimento global", as notícias do fracasso da Cimeira de Copenhaga são altamente exageradas. Ao menos conseguiu-se que alguns dos "activistas" que foram à Dinamarca observar o evento (e destruir as zonas envolventes) cortassem o cabelo. Parece que a medida ocorreu em protesto contra a falta de um acordo entre os líderes presentes. Não importa. Importa que, no seu afã contestatário, os militantes do ambiente também costumam contestar os procedimentos da higiene básica, o que lhes confere, digamos, um ambiente pouco asseado. Por isso, rapar cabeças que constituem o sonho de lêndeas e derivados é, além de alternativa à violência, uma atitude coerente com a defesa de um mundo mais limpo, afinal o autêntico objectivo desta Cimeira. Se houver outra, caso o mundo não acabe entretanto, é possível que os activistas aumentem o nível de protesto e enfim tomem banho integral."
Alberto Gonçalves
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