O homem que confundiu a mulher com um cinzeiro
"Notei com satisfação que Macário Correia voltou momentaneamente à ribalta. A cada século acontece uma semana tão parca em assuntos que o dr. Macário se torna o assunto. Para aí há vinte anos, o homem celebrizou-se por roubar uma frase velhinha e comparar o beijo de uma fumadora à lambidela de um cinzeiro, e embora pouquíssimos portugueses tivessem experimentado ambos os exercícios todos resolveram aplaudir ou insultar o jovem que, à época, era uma esperança da social-democracia.
Entretanto a esperança amadureceu e rumou à província, onde se perdeu no anonimato até regressar esta semana, pelos vistos presidente da Câmara Municipal de Faro e com uma directiva que, a pretexto da produtividade, proíbe os respectivos funcionários de interromperem o expediente para fins ociosos.
Como no confronto Senhoras versus Cinzeiros, a polémica instalou-se e logo se convocaram claques dedicadas ao apoio e ao apupo do dr. Macário. As primeiras esperam que o dr. Macário sirva de exemplo, sob o argumento de que os funcionários municipais não podem prejudicar o trabalho em favor do cafezinho, do cigarrinho ou da conversinha. As segundas acham o dr. Macário um tiranete que retira aos funcionários o essencial direito à pausa no trabalho.
Curiosamente, não há uma terceira via que pergunte de que trabalho falamos. Que eu saiba, as autarquias não produzem sapatos ou microprocessadores: produzem regulamentos, que em certos casos são justificáveis e na grande maioria apenas se justificam a si mesmos. Se uns noventa por cento dos assalariados autárquicos se ausentassem noventa vezes por dia para o café, a única consequência dramática seria o aumento exponencial dos enfartes na classe. Os "utentes", bela palavra, mal dariam por ela, a não ser na medida em que a burocracia da administração local os obriga a darem. À semelhança do Estado em geral, as autarquias criam a ilusão da própria indispensabilidade, no fundo o objectivo que o dr. Macário, de dedinho apontado aos infractores do seu código pessoal, persegue há décadas."
Alberto Gonçalves
Entretanto a esperança amadureceu e rumou à província, onde se perdeu no anonimato até regressar esta semana, pelos vistos presidente da Câmara Municipal de Faro e com uma directiva que, a pretexto da produtividade, proíbe os respectivos funcionários de interromperem o expediente para fins ociosos.
Como no confronto Senhoras versus Cinzeiros, a polémica instalou-se e logo se convocaram claques dedicadas ao apoio e ao apupo do dr. Macário. As primeiras esperam que o dr. Macário sirva de exemplo, sob o argumento de que os funcionários municipais não podem prejudicar o trabalho em favor do cafezinho, do cigarrinho ou da conversinha. As segundas acham o dr. Macário um tiranete que retira aos funcionários o essencial direito à pausa no trabalho.
Curiosamente, não há uma terceira via que pergunte de que trabalho falamos. Que eu saiba, as autarquias não produzem sapatos ou microprocessadores: produzem regulamentos, que em certos casos são justificáveis e na grande maioria apenas se justificam a si mesmos. Se uns noventa por cento dos assalariados autárquicos se ausentassem noventa vezes por dia para o café, a única consequência dramática seria o aumento exponencial dos enfartes na classe. Os "utentes", bela palavra, mal dariam por ela, a não ser na medida em que a burocracia da administração local os obriga a darem. À semelhança do Estado em geral, as autarquias criam a ilusão da própria indispensabilidade, no fundo o objectivo que o dr. Macário, de dedinho apontado aos infractores do seu código pessoal, persegue há décadas."
Alberto Gonçalves
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