Os bancos centrais insistem em imprimir dinheiro
"‘Festina lente’ ou “apressa-te devagar”. Eis o conselho que herdámos dos romanos e que os políticos ocidentais deviam, nos tempos que correm, levar a sério.
Confrontados com elevados défices orçamentais, muitos deles concluíram que é preciso avançar com o aperto orçamental o mais rapidamente possível, na esperança de que este venha a ter um efeito expansionista. Que probabilidades têm de estar certos? Poucas. Na verdade, há alternativas mais aliciantes sobre a mesa, o problema é serem algo heterodoxas. Infelizmente, porém, são muitas as pessoas "sensatas" que preferem recessões ortodoxas a retomas heterodoxas.
Porque haveria um forte aperto orçamental estrutural de estimular a retoma? Num artigo da autoria de Alberto Alesina e Silvia Ardagna, professores em Harvard, lê-se que a existência de défices menos elevados pode reforçar a confiança dos consumidores e investidores, e contribuir para o aumento do consumo e para a redução dos prémios de risco das taxas de juro*. Entretanto, do lado da oferta, o aperto orçamental pode gerar maior oferta de emprego, mais capital ou empreendedorismo.
Nesse artigo lê-se também que os ajustamentos orçamentais "assentes na redução da despesa e não no aumento de impostos têm mais probabilidades de reduzir os défices e os rácios dívida/PIB que aqueles que têm por base a subida de impostos. Os ajustamentos do lado da despesa geram, tendencialmente, menos recessões". Esta linha de pensamento veio reforçar a determinação do novo ministro das Finanças britânico, George Osborne.
Mas será persuasivo? Não. Os autores coligiram dados de diferentes membros da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE) entre 1970 e 2007, mas o impacto do aperto orçamental vai depender em larga medida das circunstâncias.
É importante que à redução do défice orçamental se contraponham mudanças nos défices privado e externo. Se o objectivo for uma contracção orçamental expansionista, as exportações líquidas e a despesa privada terão de aumentar ou, em alternativa, a poupança privada terá que diminuir.
Ou seja, o efeito da contracção orçamental será muito diferente quando ocorrer nalguns países pequenos e não em muitos países grandes simultaneamente; quando o sector financeiro estiver de boa saúde em vez de debilitado; quando o sector privado sanear as dívidas por oposição a uma alavancagem elevada; quando as taxas de juro forem altas e não próximas de zero; quando a procura externa for flutuante em vez de fraca; e quando as taxas de câmbio reais desvalorizarem acentuadamente, ao invés de se manterem fixas.
Em suma, quando, como agora, as economias afectadas pela debilidade do sector financeiro correspondem a metade da economia mundial - perto de 60%, incluindo a ainda frágil economia japonesa; quando a maior e mais dinâmica economia do mundo, a China, é mercantilista; quando as taxas de juro rondam zero e quando se reforçam as restrições à concessão de crédito a empresas e famílias, a ideia de que um aperto orçamental precoce terá efeitos fortemente expansionistas é, sem dúvida, temerária. Espero que tudo isto venha a concretizar-se, mas tenho poucos motivos para acreditar nisso.
Outro estudo, da lavra do Comité americano para um Orçamento Federal Responsável, centrou-se na análise do Canadá, Dinamarca, Finlândia, Irlanda e Suécia. O aspecto que mais se destaca é a importância da procura externa e, nalguns casos, as fortes depreciações na taxa de câmbio. Serão estes casos de sucesso relevantes para os EUA e para a União Europeia (UE) nos dias que correm? Duvido muito.
Em alternativa, podemos tentar identificar uma situação idêntica à que vivemos hoje. Ora, a analogia mais próxima é a década de 1930, quer na proporção da economia mundial afectada pela crise, quer ao nível das taxas de juro baixas e do contexto desinflacionista (ou, naquele caso, deflacionista). Um estudo publicado no ano passado concluiu que o estímulo orçamental foi eficiente quando testado**, mas naquele tempo, o aperto orçamental teria sido - e foi de facto - contraccionista.
Nas actuais circunstâncias, a ideia de que um aperto orçamental concertado nos países desenvolvidos teria um efeito expansionista é, no melhor dos casos, optimista. Nesta fase impõe-se perguntar qual é a alternativa. A manterem-se os défices elevados, os mercados vão ficar com medo, as taxas de juro vão disparar e a dinâmica da dívida vai ser duramente afectada.
Tenho duas respostas para isto. A primeira formulei-a na minha crónica da semana passada: o ciclo de desalavancagem tem gerado elevados excedentes financeiros no sector privado em todos os países desenvolvidos. Se não estiverem previstas mudanças nos excedentes externos agregados - e nos correspondentes défices nas economias emergentes -, então, teremos de investi-los em dívida pública. É por isso que a rentabilidade das obrigações dos governos mais seguros se mantém tão baixa.
A segunda parte do seguinte princípio: se os governos forem obrigados a gerir défices para sustentarem a procura quando o sector privado está mais frágil, terão sempre a possibilidade de pedir dinheiro emprestado aos bancos centrais. Por outras palavras, trata-se de "imprimir dinheiro", de implementar uma política insensatamente radical recomendada por um radical insensato, Milton Friedman, em 1948. Na sua opinião, o governo podia expandir a moeda em circulação nos períodos de recessão e contraí-la nos subsequentes períodos de crescimento. Um país com ‘fiat money', isto é, sem valor intrínseco, e uma moeda flutuante poderia, assim, estabilizar a economia sem desestabilizar os mercados de crédito. O aspecto mais positivo desta proposta é não termos de definir qual das políticas - monetária ou orçamental - deve fazer o trabalho mais difícil, uma vez que são as duas faces da mesma moeda.
O argumento a favor de uma expansão monetária agressiva continua a colher apoio, ainda que com algumas diferenças de país para país, devido ao fraco crescimento da moeda em circulação e do PIB nominal. A política de "alívio quantitativo" de Friedman, como é chamada, continua a fazer sentido. Estarei aqui a defender a política económica de Robert Mugabe? Não. Como em tudo, o que importa é o contexto. Nos dias que correm, "o dinheiro é pouco para tanta oferta". Num contexto como este, a política monetária tem de ser agressiva. Quando a economia recuperar, os efeitos monetários deverão ser esbatidos através dos excedentes gerados pelo controlo da despesa a longo prazo. A curto prazo, as alterações nos requisitos de reservas podem compensar o impacto que o aumento dos depósitos de bancos comerciais no banco central teria na expansão monetária. Como a moeda em circulação é mais influenciada pela procura de crédito do que as reservas, talvez isso não seja necessário.
O senso comum diz-nos que uma contracção estrutural forte e concertada, focalizada na despesa, vai fomentar o crescimento de milhares de "flores privadas". Espero que sim, mas tenho grandes dúvidas. Os governos devem apressar-se devagar. Se todos se apressarem depressa é possível que se venham a arrepender - eles e nós - logo a seguir."
Martin Wolf
Confrontados com elevados défices orçamentais, muitos deles concluíram que é preciso avançar com o aperto orçamental o mais rapidamente possível, na esperança de que este venha a ter um efeito expansionista. Que probabilidades têm de estar certos? Poucas. Na verdade, há alternativas mais aliciantes sobre a mesa, o problema é serem algo heterodoxas. Infelizmente, porém, são muitas as pessoas "sensatas" que preferem recessões ortodoxas a retomas heterodoxas.
Porque haveria um forte aperto orçamental estrutural de estimular a retoma? Num artigo da autoria de Alberto Alesina e Silvia Ardagna, professores em Harvard, lê-se que a existência de défices menos elevados pode reforçar a confiança dos consumidores e investidores, e contribuir para o aumento do consumo e para a redução dos prémios de risco das taxas de juro*. Entretanto, do lado da oferta, o aperto orçamental pode gerar maior oferta de emprego, mais capital ou empreendedorismo.
Nesse artigo lê-se também que os ajustamentos orçamentais "assentes na redução da despesa e não no aumento de impostos têm mais probabilidades de reduzir os défices e os rácios dívida/PIB que aqueles que têm por base a subida de impostos. Os ajustamentos do lado da despesa geram, tendencialmente, menos recessões". Esta linha de pensamento veio reforçar a determinação do novo ministro das Finanças britânico, George Osborne.
Mas será persuasivo? Não. Os autores coligiram dados de diferentes membros da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE) entre 1970 e 2007, mas o impacto do aperto orçamental vai depender em larga medida das circunstâncias.
É importante que à redução do défice orçamental se contraponham mudanças nos défices privado e externo. Se o objectivo for uma contracção orçamental expansionista, as exportações líquidas e a despesa privada terão de aumentar ou, em alternativa, a poupança privada terá que diminuir.
Ou seja, o efeito da contracção orçamental será muito diferente quando ocorrer nalguns países pequenos e não em muitos países grandes simultaneamente; quando o sector financeiro estiver de boa saúde em vez de debilitado; quando o sector privado sanear as dívidas por oposição a uma alavancagem elevada; quando as taxas de juro forem altas e não próximas de zero; quando a procura externa for flutuante em vez de fraca; e quando as taxas de câmbio reais desvalorizarem acentuadamente, ao invés de se manterem fixas.
Em suma, quando, como agora, as economias afectadas pela debilidade do sector financeiro correspondem a metade da economia mundial - perto de 60%, incluindo a ainda frágil economia japonesa; quando a maior e mais dinâmica economia do mundo, a China, é mercantilista; quando as taxas de juro rondam zero e quando se reforçam as restrições à concessão de crédito a empresas e famílias, a ideia de que um aperto orçamental precoce terá efeitos fortemente expansionistas é, sem dúvida, temerária. Espero que tudo isto venha a concretizar-se, mas tenho poucos motivos para acreditar nisso.
Outro estudo, da lavra do Comité americano para um Orçamento Federal Responsável, centrou-se na análise do Canadá, Dinamarca, Finlândia, Irlanda e Suécia. O aspecto que mais se destaca é a importância da procura externa e, nalguns casos, as fortes depreciações na taxa de câmbio. Serão estes casos de sucesso relevantes para os EUA e para a União Europeia (UE) nos dias que correm? Duvido muito.
Em alternativa, podemos tentar identificar uma situação idêntica à que vivemos hoje. Ora, a analogia mais próxima é a década de 1930, quer na proporção da economia mundial afectada pela crise, quer ao nível das taxas de juro baixas e do contexto desinflacionista (ou, naquele caso, deflacionista). Um estudo publicado no ano passado concluiu que o estímulo orçamental foi eficiente quando testado**, mas naquele tempo, o aperto orçamental teria sido - e foi de facto - contraccionista.
Nas actuais circunstâncias, a ideia de que um aperto orçamental concertado nos países desenvolvidos teria um efeito expansionista é, no melhor dos casos, optimista. Nesta fase impõe-se perguntar qual é a alternativa. A manterem-se os défices elevados, os mercados vão ficar com medo, as taxas de juro vão disparar e a dinâmica da dívida vai ser duramente afectada.
Tenho duas respostas para isto. A primeira formulei-a na minha crónica da semana passada: o ciclo de desalavancagem tem gerado elevados excedentes financeiros no sector privado em todos os países desenvolvidos. Se não estiverem previstas mudanças nos excedentes externos agregados - e nos correspondentes défices nas economias emergentes -, então, teremos de investi-los em dívida pública. É por isso que a rentabilidade das obrigações dos governos mais seguros se mantém tão baixa.
A segunda parte do seguinte princípio: se os governos forem obrigados a gerir défices para sustentarem a procura quando o sector privado está mais frágil, terão sempre a possibilidade de pedir dinheiro emprestado aos bancos centrais. Por outras palavras, trata-se de "imprimir dinheiro", de implementar uma política insensatamente radical recomendada por um radical insensato, Milton Friedman, em 1948. Na sua opinião, o governo podia expandir a moeda em circulação nos períodos de recessão e contraí-la nos subsequentes períodos de crescimento. Um país com ‘fiat money', isto é, sem valor intrínseco, e uma moeda flutuante poderia, assim, estabilizar a economia sem desestabilizar os mercados de crédito. O aspecto mais positivo desta proposta é não termos de definir qual das políticas - monetária ou orçamental - deve fazer o trabalho mais difícil, uma vez que são as duas faces da mesma moeda.
O argumento a favor de uma expansão monetária agressiva continua a colher apoio, ainda que com algumas diferenças de país para país, devido ao fraco crescimento da moeda em circulação e do PIB nominal. A política de "alívio quantitativo" de Friedman, como é chamada, continua a fazer sentido. Estarei aqui a defender a política económica de Robert Mugabe? Não. Como em tudo, o que importa é o contexto. Nos dias que correm, "o dinheiro é pouco para tanta oferta". Num contexto como este, a política monetária tem de ser agressiva. Quando a economia recuperar, os efeitos monetários deverão ser esbatidos através dos excedentes gerados pelo controlo da despesa a longo prazo. A curto prazo, as alterações nos requisitos de reservas podem compensar o impacto que o aumento dos depósitos de bancos comerciais no banco central teria na expansão monetária. Como a moeda em circulação é mais influenciada pela procura de crédito do que as reservas, talvez isso não seja necessário.
O senso comum diz-nos que uma contracção estrutural forte e concertada, focalizada na despesa, vai fomentar o crescimento de milhares de "flores privadas". Espero que sim, mas tenho grandes dúvidas. Os governos devem apressar-se devagar. Se todos se apressarem depressa é possível que se venham a arrepender - eles e nós - logo a seguir."
Martin Wolf
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