sexta-feira, junho 18, 2010

Políticos com a boca na vuvuzela

"(Onde se arquiva a consagrada expressão "boca no trombone", adoptando antes a linha post-moderninha do País, e assim a fracturante e execrável "boca na vuvuzela", para ilustrar a vetusta moda de os políticos vencedores apontarem os vencidos como fautores das desgraças, mas agora com mais frequência e clangor - e isto desde o centro do mundo (Portugal) às recônditas paragens do Japão).

As estórias das "pesadas heranças" sempre foram da História, grande e pequena, e não há mesmo nada a fazer, tanto mais que frequentemente correspondem à verdade pura e dura. Doutras vezes dão excelentes alibis ou descartes de responsabilidades, independentemente da veracidade. Por isso é que se fizeram até as reabilitações e as revisões históricas, tudo para efeitos de juízo final (salvo seja!).

Mas aqui vamos apenas deambular pelo curto prazo, pelas declarações de circunstância, quando uns grupos políticos sucedem a outros e, quanto mais não seja para prevenir, vão demonizando quem antecedeu e as suas enxofráveis obras. O curioso é que muitas vezes quem diz não sabe o que diz ou não vê como diz e provoca consequências imprevistas e nefastas, tudo isto tanto mais vulgar quando os tempos são de vacas magras e os bifes de lombo já foram comidos. Seja como for, não passaremos de casos avulsos e um tanto aleatórios, alguns de que me fui lembrando e achei curiosos pelos efeitos directos e colaterais, pretendidos ou indesejados.

Começar nas proximidades é boa maneira de começar e, assim, relembro o famoso "o País está de tanga" de Durão Barroso, sucedendo ao que o próprio Guterres chamou um "pântano" e tinha um processo por défice excessivo interposto pela Comissão Europeia. Essa e as frases acessórias, prenunciando severas medidas de austeridade, foram bem acolhidas em Bruxelas, mas nacionalmente deixaram um ar chocarreiro, de declaração não séria. Pela minha parte, que sou um bem pensante (em sentido próprio), ainda me ocorreram as "tanguinhas", mas outros terão evocado o Tarzan ou uma moda "cool". O impacto almejado teve antes ricochete e as coisas seguiram aos gritos com toda a gente a protestar.

Muito mais subtil foi o método Sócrates de encontrar, com a cumplicidade de Constâncio, um défice virtual de 6,83% (sic, à centésima, o real foi de 5,9%), coisa de deixar o povo atemorizado até porque trazia o carimbo do Banco de Portugal. O chamado bom golpe. Acima de tudo, serviu de pretexto para passar a governar exactamente ao contrário das promessas eleitorais, atirando as culpas para as costas anormalmente largas de Santana. Ora, a grande verdade é que, para boa governança pátria só mesmo a ditadura semianual à Ferreira Leite ou a aldrabice socrática. E, realmente, a peta deu para dois anos de apreciável governo. Na Comissão Europeia seguiu-se um silêncio embaraçado, mas a posterior contenção do défice mereceu encómios.

Entretanto, meteu-se a "reprise" da crise e o lavar internacional de roupa suja foi esplendoroso. Cá, em Portugal, como não houve querela sucessória (eram os mesmos), o que podia ter dado em chavascal de lama foi substituído por suaves encómios e ternos orçamentos. Mas onde não foi assim, as coisas aqueceram mesmo, e, curiosamente, com repercussão negativa onde importava (os mercados), todas as vezes que a insuficiência de informação ou os receios difusos estavam presentes. Realmente, é preciso ter cuidado com o que se diz quando se pisam cascas de ovo, e se não há disponível diplomacia Versailles também não é obrigatório puxar da cartilha de Grozny, transformando o receio difuso em susto concreto na gente que conta, os odiosamente indispensáveis prestamistas internacionais.

Pessoalmente, adorei a intervenção do novel ministro das Finanças da Hungria que lançou tal alarido, pintando as cores ainda mais negras que as do luto original, que o pânico surgiu para toda a zona do Leste europeu emergente, onde a informação é ainda escassa e eventualmente duvidosa. As bolsas estremeceram dois dias, nenhum sismo, mas lá levou com uma subida da taxa de juro para o contribuinte pagar.

Noutros lados, sucedendo a compadre político, nem assim o novo primeiro-ministro do Japão, Naoto Kan, se conteve, e, num discurso de atenção internacional, de resto de fino calibre e sentido estratégico(1), lá comparou a dívida pública Japonesa à da Grécia, num segmento curto e descontextualizado, mas aproveitado pela imprensa. Ora, a dívida do Japão é basicamente detida por nacionais, pelo que, embora enorme, é relativamente inofensiva. Mas aí os mercados estavam bem informados, e à possível incontinência verbal o Nikkei correspondeu com uma subida de 1,43%. O Kan, afinal, sossegou toda a gente, até os americanos em Okinawa.

Moralidade: Todo o cuidado é pouco, isto está tudo armadilhado."


Fernando Braga de Matos

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