O Sahara é aqui
"O futebol costuma ser o melhor enfermeiro de Portugal. Cura-nos da tentação do abismo onde pensamos ir cair sem redenção. Mas, este ano, o Mundial não é a ambulância salvadora da nossa desorientação colectiva. Os golos não apagam a miséria real e moral que vai contaminando o País. Confúcio dizia que, se pensarmos em termos de um ano, devemos plantar uma semente. Se pensarmos a 10 anos, devemos plantar árvores. Durante todos estes anos na Europa que prometia o El Dorado, semeámos demasiadas ilusões. E não plantámos realidades com futuro. Queríamos golear e, agora, só nos resta defender para não perder. José Sócrates perdeu a magia e sabe-o. Pedro Passos Coelho ainda é um aprendiz de Houdini: não sabe os truques todos. E percebe-o. Sobram aprendizes de feiticeiros avulsos que só pensam na redução do défice hoje, sem se preocuparem com as árvores que deveriam nascer amanhã. Há uma paz podre em Portugal, vigiada pelo défice e manietada pelo ocaso do consumo redentor. A crise, diz-se, combate-se com mais uns furos no cinto. Talvez até o País estar tão magro e indigente que deixe de necessitar de cinto e procure musculados suspensórios políticos. Se ficar demasiado esquelético Portugal não terá capacidades para levantar a mão a pedir esmola. Isto não é destino nem é Fado: é o resultado da incompetência. Este Governo, e outros antes, andaram demasiados anos a distribuir sementes aos amigos para estes criarem os seus quintais. Não se plantou árvores. Sem estas, abriu-se o caminho para o deserto. O Sahara já não é ali. É aqui. "
Fernando Sobral
Fernando Sobral
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