Um campeonato à parte
"Um programa patrocinado pela FIFA e paralelo ao Mundial de futebol tem como lema "Education beats poverty", a educação vence a pobreza. Espero sinceramente que sim, mas por enquanto a pobreza está a ganhar de goleada. Ainda o campeonato não começara e já um pequeno grupo de jornalistas (portugueses e espanhóis) e jogadores (gregos) tinha sido assaltado nos respectivos hotéis. Se na África do Sul a educação fosse outra, os assaltantes não escolheriam roubar cidadãos dos três campeões europeus da bancarrota.
Por azar, na África do Sul a pobreza é o que é. E a violência que lhe está associada também. Há dias, um jornal de Joanesburgo proclamava, presumo que orgulhosamente, que o país é o 121º mais pacífico do mundo. A bravata, fundamentada num estudo realizado em 149 países, assemelha-se à afirmação de que a Coreia do Norte é a 197.ª nação mais livre da Terra (em 198). Na prática, significa que a anfitriã do Mundial apresenta portentosos índices de crime e insegurança, os quais só espreitaram por entre o estardalhaço das notícias dedicadas à bola porque as vítimas não eram indígenas nem exactamente anónimas.
Já os indígenas anónimos estão condenados a desaparecer no meio da propaganda oficial, empenhada em exibir uma Áfri- ca do Sul dinâmica e próspera, e a propaganda da FIFA, empenha- da em mostrar o papel da competição no dinamismo e na prosperidade. Salvo quando relata os seus próprios infortúnios, é esta lengalenga do "sucesso" que a imprensa ocidental reproduz. Driblados pelo exotismo tropical, os noticiários não contam que se estabeleceu um novo recorde nos gastos de um governo com uma competição do género. Ou que se construíram estádios extravagantes ao lado das favelas onde vegeta boa parte da população. Ou que, para fins estéticos, inúmeros indigentes foram removidos das ruas e colocados em campos de detenção pela duração do evento (não se erradicou a pobreza, mas erradicaram-se, ao menos temporariamente, os pobres).
De Berlim em 1936 a Pequim em 2008, passando por Buenos Aires em 1978 e Moscovo em 1980, a história dos grandes acontecimentos desportivos é frequentemente a história da iniquidade que esses acontecimentos procuram esconder e, em última instância, legitimar. O Mundial da África do Sul é mais um exemplo, peculiar somente graças ao barulho das cornetas e ao remorso colonial. "
Por azar, na África do Sul a pobreza é o que é. E a violência que lhe está associada também. Há dias, um jornal de Joanesburgo proclamava, presumo que orgulhosamente, que o país é o 121º mais pacífico do mundo. A bravata, fundamentada num estudo realizado em 149 países, assemelha-se à afirmação de que a Coreia do Norte é a 197.ª nação mais livre da Terra (em 198). Na prática, significa que a anfitriã do Mundial apresenta portentosos índices de crime e insegurança, os quais só espreitaram por entre o estardalhaço das notícias dedicadas à bola porque as vítimas não eram indígenas nem exactamente anónimas.
Já os indígenas anónimos estão condenados a desaparecer no meio da propaganda oficial, empenhada em exibir uma Áfri- ca do Sul dinâmica e próspera, e a propaganda da FIFA, empenha- da em mostrar o papel da competição no dinamismo e na prosperidade. Salvo quando relata os seus próprios infortúnios, é esta lengalenga do "sucesso" que a imprensa ocidental reproduz. Driblados pelo exotismo tropical, os noticiários não contam que se estabeleceu um novo recorde nos gastos de um governo com uma competição do género. Ou que se construíram estádios extravagantes ao lado das favelas onde vegeta boa parte da população. Ou que, para fins estéticos, inúmeros indigentes foram removidos das ruas e colocados em campos de detenção pela duração do evento (não se erradicou a pobreza, mas erradicaram-se, ao menos temporariamente, os pobres).
De Berlim em 1936 a Pequim em 2008, passando por Buenos Aires em 1978 e Moscovo em 1980, a história dos grandes acontecimentos desportivos é frequentemente a história da iniquidade que esses acontecimentos procuram esconder e, em última instância, legitimar. O Mundial da África do Sul é mais um exemplo, peculiar somente graças ao barulho das cornetas e ao remorso colonial. "
Alberto Gonçalves
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