Língua moribunda
"Uma página no Facebook convocou uma manifestação contra o Acordo Ortográfico para a data, a hora e o local da apresentação de um conversor linguístico financiado pelo Estado. Compareceram três pessoas. Provavelmente, as restantes não souberam ler a convocatória.
Julgo que teria acontecido o mesmo a propósito de uma ma- nifestação de sentido contrário, caso o facto de o Acordo estar aprovado e praticamente em vigor não a tornasse um nadinha redundante. O problema não passa por gostarmos ou não gostarmos da chacina de uns cês ou pés mudos e do rapto do ocasional acento. O problema do Acordo é pretender regulamentar uma língua que já praticamente não se fala ou escreve.
Fará sentido pregar o fim da acentuação dos ditongos abertos das palavras paroxítonas a gente que não distingue um "à" de um "há"? Não é perda de tempo divagar acerca das alterações na hifenização a quem substituiu o verbo "estar" por um rascunho adulterado do verbo "ter" ("Ontem tive em Coimbra" é um clássico)?
Uma imensa percentagem da população (falo de Portugal, embora não conste que o Brasil e os "palop" sejam muito diferentes) apenas é alfabetizada na acepção teórica do termo. E se a isto juntarmos os produtos das Novas Oportunidades, as gerações dos SMS e do Messenger e um sistema de ensino que reprova as reprovações a título de "estímulo", constata-se que as alterações académicas no português têm menos impacto na vida quotidiana do que uma revisão da tabela periódica dos elementos.
Discutir o acordo ortográfico é discutir a cor da sala de uma casa marcada para demolição, uma excentricidade que interessará meia dúzia de criaturas. Ou, a julgar pela manifestação dos seus opositores, nem isso."
Julgo que teria acontecido o mesmo a propósito de uma ma- nifestação de sentido contrário, caso o facto de o Acordo estar aprovado e praticamente em vigor não a tornasse um nadinha redundante. O problema não passa por gostarmos ou não gostarmos da chacina de uns cês ou pés mudos e do rapto do ocasional acento. O problema do Acordo é pretender regulamentar uma língua que já praticamente não se fala ou escreve.
Fará sentido pregar o fim da acentuação dos ditongos abertos das palavras paroxítonas a gente que não distingue um "à" de um "há"? Não é perda de tempo divagar acerca das alterações na hifenização a quem substituiu o verbo "estar" por um rascunho adulterado do verbo "ter" ("Ontem tive em Coimbra" é um clássico)?
Uma imensa percentagem da população (falo de Portugal, embora não conste que o Brasil e os "palop" sejam muito diferentes) apenas é alfabetizada na acepção teórica do termo. E se a isto juntarmos os produtos das Novas Oportunidades, as gerações dos SMS e do Messenger e um sistema de ensino que reprova as reprovações a título de "estímulo", constata-se que as alterações académicas no português têm menos impacto na vida quotidiana do que uma revisão da tabela periódica dos elementos.
Discutir o acordo ortográfico é discutir a cor da sala de uma casa marcada para demolição, uma excentricidade que interessará meia dúzia de criaturas. Ou, a julgar pela manifestação dos seus opositores, nem isso."
Alberto Gonçalves
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