sexta-feira, julho 23, 2010

Constituição.

"O principal mérito do projecto de revisão constitucional que anda a ser preparado pelo PSD é o de ter colocado à discussão uma série de questões, algumas delicadas, não tendo medo de ser politicamente incorrecto e não fazendo o péssimo truque, habitual na política portuguesa, de só tomar as medidas polémicas ou falar da necessidade de fazer cortes ou reduções depois de eleições. Este é claramente um ponto a favor, como é também um ponto a favor a abertura da discussão sobre o que todos podemos esperar do Estado social. Depois há questões, do ponto de vista da reforma do sistema político, em que não se entende bem a prioridade estabelecida, relativa às competências do Presidente da República. Fazia mais sentido, acho eu, debater questões como o funcionamento do sistema partidário, a reforma das eleições para tentar maior participação (por exemplo facilitando candidaturas independentes), e uma abordagem séria das actualizações impostas pela evolução enorme de comunicação e das novas possibilidades de participação desenvolvidas tecnologicamente nos últimos dez anos.

Faz-me impressão que se encare como imutável o papel dos partidos e dos seus aparelhos e que se trave a abertura da política e da participação cívica a independentes - de que os partidos apenas têm uma visão utilitária em véspera de eleições. E, claro, não se entende como se fala da educação e da saúde e não se aborda de frente a questão da degradação cada vez maior do funcionamento da justiça. Mas regressemos à questão das obrigações do Estado em matéria social - o sistema inevitavelmente tem de ser revisto: não é suportável pagar ainda mais impostos em nome de um modelo que penaliza as gerações futuras e que no fundo se está a deteriorar. E não se pode falar de diminuir o Estado Social sem mostrar que ao mesmo tempo descerão os impostos - se não for assim, ninguém percebe. Não é por acaso que são os arautos da brigada do reumático, que nunca fizeram contas e que são muito responsáveis pelo estado das finanças públicas, que aparecem a gritar contra as mudanças nestas áreas. Mas é também certo que a forma como foram comunicadas as propostas do PSD - a conta-gotas, de forma desconexa, parcelar, e muitas vezes incompleta, deram azo a que a gritaria dos que nunca querem mudar nada se amplificasse. A última coisa que a reforma do Estado social precisa é que se alimente uma frente unida da velha esquerda e que se comprometa o apoio da zona central do eleitorado às mudanças necessárias. E este ressuscitar da frente unida de esquerda poderia ser evitado se o assunto fosse bem comunicado e de forma dirigida ao alvo mais interessado na mudança - todos os que começam agora a sua actividade profissional. Espero sinceramente que a má comunicação não comprometa as boas propostas e que haja ainda o bom senso de repensar o que é mesmo importante na reforma do sistema político-partidário.

Crise
O episódio da ministra do Emprego a anunciar o que não lhe competia é apenas o sinal mais recente do desnorte e descoordenação do Executivo. A realidade é esta: o Governo não está a gerir a crise, está apenas a aumentá-la e, assim sendo, mais valia pensar se em matéria de instabilidade não será mais grave manter as coisas como estão ou procurar soluções alternativas. O pretexto da estabilidade, como os números e os factos mais recentes mostram, serve apenas para deteriorar ainda mais a situação. O Governo ziguezagueia - uma coisa é o que Teixeira dos Santos diz em Bruxelas, outra é o que ministros avulsos vão prometendo pelo País às diversas corporações de interesses. E a nova batalha pelo "Estado social" ainda vai fazer degradar mais as coisas.
"

Manuel Falcão

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