sexta-feira, julho 23, 2010

A Europa está a fazer tudo mal?

"Os países da chamada “periferia” da Zona Euro (Grécia, Espanha, Portugal, Irlanda e talvez outros países) precisam de realizar ajustamentos complementares que são muitas vezes discutidos separadamente mas que, na verdade, precisam de ser debatidos de forma conjunta. De facto, para repor a saúde destas economias, são necessários três tipos de ajustamentos distintos: entre a Zona Euro e o mundo, entre a periferia da Zona Euro e o centro e entre dívida e rendimento nos países periféricos altamente endividados, como é o caso da Grécia.

A solução em cada caso é tão óbvia como é complexa a sua implementação. Primeiro, para aliviar a pressão sobre os países periféricos (pelo menos em parte), a Zona Euro deve exportar alguns dos ajustamentos necessários através de uma depreciação significativa do euro, que já está a ocorrer. Este é o ajustamento entre a Zona Euro e o mundo.

Em segundo lugar, para recuperar a competitividade, o ajustamento entre os países da periferia e do centro da Zona Euro exige acabar com o diferencial de inflação que se acumulou durante a bonança de fluxos de capitais antes de 2008. Em países como a Grécia e a Espanha, isto representou cerca de 14% do PIB após o lançamento do euro.

Por fim, o ajustamento entre a dívida e o rendimento pode ser alcançado, ao longo tempo, através de uma inflação mais elevada em toda a Zona Euro. Mas é cada vez mais óbvio que alinhar a carga da dívida com as capacidades de pagamento dos países com problemas, pelo menos em alguns deles (em particular na Grécia), exige um processo ordenado de reestruturação da dívida.

Até agora, os decisores políticos da Europa decidiram fazer precisamente o contrário em cada frente. Tentaram influenciar o valor do euro. Mas os mercados cambiais encararam esta tentativa como mera retórica política e estão rapidamente a levar o euro para perto do equilíbrio.

Da mesma forma, a União Europeia tentou dissipar as dúvidas sobre a iminência de uma reestruturação da dívida soberana grega e de outros países estabelecendo um fundo de estabilidade razoavelmente grande (incluindo 250 mil milhões de euros prometidos pelo Fundo Monetário Internacional que, no entanto, ainda não existem). Esta medida foi definida não tanto para proteger os países periféricos de uma corrida ao mercado mas sim para “resgatar” os bancos privados.

Com era de esperar, os bancos viram um pouco mais longe e perceberam a inviabilidade dos cortes orçamentais subjacentes. A Bloomberg noticiou que, numa pesquisa global recente realizada junto dos investidores, 73% afirmou que era provável que a Grécia entrasse em incumprimento. Nestas circunstâncias, adiar a reestruturação apenas perpetua a desconfiança nos bancos europeus com exposições soberanas opacas e nos mercados financeiros em geral – mais ou menos da mesma forma a incerteza sobre a exposição a obrigações de dívida colaterizadas levou a uma crise de confiança no final de 2008.

Porque não usar o tão anunciado fundo de estabilidade como garantia de um plano Brady europeu que coloque um fim na saga na dívida soberana? Pode soar extremo mas seria, certamente, mais eficiente do que uma lenta hemorragia dos fundos da União Europeia, que poderia conduzir a uma ressaca de dívida oficial e multilateral que não faria mais do que dissuadir os credores privados.

Este plano permitiria, também, clarificar, de uma vez por todas, a dimensão do contágio aos bancos europeus e os que, em definitivo, estão a salvo. Tudo o que é exigido são os mesmos recursos que o Banco Central Europeu está, actualmente, a desperdiçar na compra de divida soberana dos países da periferia com problemas – um esforço que parece não ter impressionado os mercados. De facto, os “spreads” das obrigações espanholas e italianas estão hoje mais elevados do que antes da implementação do programa do BCE.

Finalmente, os governos europeus parecem estar a competir para ver que realiza o ajustamento orçamental mais drástico. Esta é uma solução contra-producente que pode seduzir apenas os analistas de mercado mais míopes – e, curiosamente, um Fundo Monetário Internacional bipolar que há menos de um ano defendeu, correctamente, estímulos orçamentais sincronizados precisamente pelas mesmas razões que uma restrição orçamental organizada é, agora, uma má política para a Europa.

Neste contexto, o novo pacote de austeridade alemão é o último e mais surpreendente elemento numa sequência de respostas desacertadas. A austeridade na Alemanha só pode contribuir para reduzir a procura por produtos da Zona Euro e baixar a inflação no país. E inflação mais baixa na Europa significa que, para acabar com o diferencial de inflação, os países periféricos precisariam de um período claro de deflação.

Por outras palavras, os cortes orçamentais na Alemanha significam cortes orçamentais na Grécia e em Espanha. Trata-se de uma decisão política desconcertante numa altura em que a Alemanha deveria estar o seu espaço de manobra orçamental e a sua influência económica para criar e melhorar a procura que a Europa periférica precisa para sair da sua miséria. Uma política com essas características também geraria alguma inflação – desejável – para facilitar o ajustamento de preços relativo na Europa.

No ano passado, a cimeira do G-20 em Londres reconheceu que a crise global exigia um esforço coordenado para retirar as economias do abismo. Quinze meses mais tarde, a Europa e o FMI, ao apoiarem uma restrição orçamental desadequada, não foram capazes de reconhecer que a crise europeia exige política diferenciadas para alcançar múltiplos e diferentes objectivos. Implementar a imprudência convencional de hoje apenas promete uma recessão mais profunda e adia o inevitável dia do ajuste de contas
."

Mario I. Blejer

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