segunda-feira, novembro 15, 2010

A verdade da mentira, em Setembro de 2008

O Estado português está a desenvolver contactos com a SAFE, a agência oficial que administra as reservas monetárias da China avaliadas em um bilião de euros, para a venda de títulos de dívida pública, revela hoje o Diário Económico. Até agora, Portugal tem estado de fora do horizonte da autoridade monetária chinesa, a qual só recentemente investiu em títulos com notações de risco inferiores a AAA, disse uma fonte do Ministério.
Actualmente, o ‘rating’ da dívida portuguesa é AA-, concedido pela agência Standard & Poor’s. A dívida pública portuguesa deverá crescer para 64% do PIB no próximo ano, cerca de 110,7 mil milhões de euros.
“A entrada da China como investidor seria muito importante”, explicou ao jornal António Nogueira Leite. O ex-secretário de Estado do Tesouro considera que a entrada da China poderá abrir “a perspectiva de mais liquidez para o mesmo ‘rating’ de dívida pública e pode resultar em ‘spreads’ mais baixos”, ajudando a financiar a economia portuguesa diminuindo os encargos com os juros.

“A mãe de todas as crises cambiais” foi o termo usado pelo recém laureado Prémio Nobel da Economia, Paul Krugman, num curto artigo publicado no New York Times, no final do mês, sobre os próximos desenvolvimentos nos mercados mundiais de divisas. O economista escreveu no seu blogue: “Tenho lido os relatórios de Stephen Jen, um antigo aluno meu, que actualmente é o estrategista chefe de câmbios do banco Morgan Stanley.
Ele sublinha que desde o colapso do Lehman [Brothers] se avolumam claros sinais de crises cambiais através dos mercados emergentes do globo, incluindo a Europa do Leste. Neste momento, não se trata de uma crise asiática ou latino-americana. É uma crise global. Jen acrescenta: ‘Até agora, o sector financeiro dos Estados Unidos foi o epicentro da crise global. Receio que a queda dos activos e das economias dos mercados emergentes será o segundo epicentro, nos próximos meses, com efeitos devastadores no mundo desenvolvido.’”
Os analistas Edward Hadas e Hugo Dixon, em outro artigo publicado pelo diário novaiorquino, também lançaram o alarme.
“A crise financeira - escreveram - atingiu uma marca perigosa. Os mercados de divisas são um ioió. Agora, as autoridades têm de encetar algumas manobras, bem vastas e delicadas - uma espécie de micro-cirurgia numa aeronave em céus turbulentos.”
Após citarem a dramática apreciação do iene e as violentas desvalorizações de outras moedas face ao dólar, os analistas explicaram a razão dos temores: “Variações desta escala são alarmantes quando acontecem no mercado bolsista. Porém, são petrificantes nos mercados de divisas, pois tornam virtualmente impossível fixar os preços das exportações e das importações.”
A situação agravou-se nos últimos meses com as manobras especulativas, sobretudo protagonizadas por grandes hedge funds. Desde a crise asiática, e da deflação que se lhe seguiu, o iene japonês e as baixíssimas taxas de juro nipónicas foram um El Dorado para os especuladores. Comprar ienes a preço de saldo para financiar operações especulativas a nível global foi altamente lucrativo nos últimos dez anos. Desde 2007, a implosão do mercado hipotecário norte-americano, o aperto global do crédito e a recessão económica mundial geraram dinâmicas inversas. A necessidade de dinheiro fresco, por parte dos investidores e especuladores dos países ricos, aumentou a procura sobre a divisa japonesa. Nos últimos meses, a necessidade fez subir em mais de 40% o seu valor face ao dólar. A impressionante valorização do iene é uma bomba-relógio para os exportadores nipónicos e um grave factor de desestabilização dos mercados cambiais.
Os fenómenos globais de desalavancagem aceleraram o processo, com prejuízo para os países com moedas mais fracas, vulneráveis a grandes défices orçamentais, ao desequilíbrio das contas correntes ou aos crónicos agravamentos da dívida pública.
Perversamente, o dólar americano, embora afectado por todas aquelas maleitas, beneficia do facto de continuar a ser percepcionada como divisa âncora das reservas financeiras mundiais. Por esta razão, em meados do ano, inverteu-se o acelerado processo de desvalorização do dólar, iniciado há um ano atrás.
Contrariamente, países europeus com insuficientes reservas de moeda estrangeira e excessivamente dependentes de capitais externos - com destaque para a Islândia, Hungria, Cazaquistão, Sérvia e Bielorússia - foram particularmente afectados nas útimas semanas. Pacotes internacionais de ajuda financeira - empréstimos bilionários e venda de dólares - sucederam-se para limitar os danos e a erosão do valor das suas moedas.
“Esta é a maior crise cambial que o mundo alguma vez conheceu”, afirmou Neil Mellor, estrategista do Bank of New York Mellon, citado pelo londrino The Telegraph. O articulista do diário britânico sublinhou que “a crise financeira, que alastra como um incêndio incontrolável através do antigo bloco soviético, ameaça despoletar uma segunda e mais grave crise bancária na Europa Ocidental, e provocar o completo desmoronamento económico de todo o continente.”
Os números são aterradores.
A Alemanha e a Rússia estão no olho do furacão.
Só na Islândia as perdas da banca germânica ultrapassaram USD 22 mil milhões/bilhões (mm/bi). Em toda a Europa do Leste a exposição dos bancos da Alemanha é igualmente gigantesca. O caso da Rússia também é preocupante, agravado pelo afundanço dos preços do petróleo e pela desvalorização do rublo mais de 10%, nas últimas semanas. A dívida externa dos oligarcas russos (USD 530 mm/bi) já suplantou o total das reservas do país em moeda estrangeira e, até ao final de Dezembro, terão que pagar tranches no valor de USD 47 mm/bi. Apesar das riquezas naturais, avolumam-se os perigos de incumprimento russo no pagamento dos serviços da dívida externa.
Na semana passada, os seguros de risco contra uma eventual insolvência da Rússia, galgaram para os 12% - uma taxa superior à registada pela Islândia na véspera da falência do sector bancário islandês.
Alarmante é o grau de exposição dos bancos austríacos aos mercados emergentes europeus, que equivale a 85% do PIB da Áustria, com dimensão crítica na Hungria, Ucrânia e Sérvia. O mesmo indicador afecta a Suíça (50%), Suécia (25%) e Espanha (23%), contra apenas 4% da banca norte-americana.
O drama espanhol é agravado pela crítica exposição aos mercados da América Latina. Os bancos do vizinho ibérico emprestaram USD 316 mil milhões aos países latino-americanos - quase o dobro dos empréstimos da banca americana na região.
Da Argentina ao México, a banca espanhola corre sérios riscos de incumprimentos em cadeia. Se a estes juntarmos os da crise da bolha imobiliária, ainda em evolução, teremos um panorama negro para a banca espanhola com evidentes perigos de contágio ao sector bancário português.

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