sexta-feira, novembro 12, 2010

A gente vai continuar

"Portugal vai hoje endividar-se à taxa mais elevada desde que o euro foi criado: 7%. Portugal foi-se deitando na campa convencido de que lhe davam mão. Mas a Alemanha não foi salvadora, é cangalheira. Não é só Portugal que fracassa, é a construção do euro que se aniquila.

Este nível de juros não é suportável mas poderia ser passageiro. Excepto se a Alemanha (com a França a fazer coro) não estivesse todos os dias a metralhar risco sobre os países periféricos. Angela Merkel está a fazer a Portugal o que os banqueiros fazem aos aflitos: agora que chove é que pede de volta o guarda-chuva que emprestou quando fazia sol, como explicou um dia Mark Twain.

A vitimização é, como diz o Presidente da República, irrelevante. É claro que a responsabilidade de tudo isto é nossa. Anos de insensatez. E os últimos meses de total negação, deixando para amanhã o que se podia fazer ontem, o que acabou no descalabro a que assistimos: um Orçamento apressado e radical, com cortes de salários e aumento brutal de impostos, depois de esbanjar um PEC 2 numa derrapagem orçamental inaceitável. Vamos ter a economia de rastos no próximo ano. Falhámos quando não podíamos. Quem nos leva a sério agora?

A proposta de Passos Coelho de criminalizar as derrapagens é populista e impossível. Mas a resposta de Vitalino Canas, de que a única responsabilidade dos governos está nas urnas, é outro insulto. A punição não pode ser apenas uma "chicotada psicológica". Não queremos sangue nas ruas, mas o "crime" não pode compensar. A desresponsabilização colectiva foi a grande invenção dos medíocres que tomaram os partidos. Agem como os peixes ante o predador: em cardume tornam-se difusos e fugidios.

A responsabilidade é, pois, nossa e dos políticos a quem confiámos a democracia. Mas se entrámos em coma por culpa própria, é agora a Alemanha que decide fazer eutanásia. Ser forte com os fracos é covardia. Neste caso, é apenas impiedade. Sendo cínico: é um direito que lhes assiste.

Tudo isto não esconde o fracasso que este grito alemão representa para a Zona Euro. A Europa foi idealizada nos anos 50 como um espaço de solidariedade para criar um espaço comum, político e económico. Agora partiu-se em dois: 14 países na Zona Euro sob ataque, 13 com moeda própria a salvo. A Zona Euro não é a NATO, que tem como missão estatutária defender os seus membros sempre que um deles é atacado. Não, na Zona Euro, quando houve ataques, passou a ser cada um por si, mulheres e crianças primeiro.

A ajuda à Grécia não se deu por causa da Grécia, mas por causa da Alemanha. O euro estava em perigo. Agora, temos uma guerra cambial, em que os Estados Unidos atacam o euro, em que a China nos visita precisamente para salvar o euro e em que a Alemanha age para salvar... o marco.

Portugal não faz hoje soar o alarme no FMI mas pouco falta. Por cá, nem os mínimos fazemos, de ao menos ter paz parlamentar e garantir a execução de um Orçamento em 2011 que vai ter de ser pelo buraco da agulha. Não vamos acabar, não nos vamos argentinizar nem nos vamos albanizar - mas contamos só connosco.

Numa música sobre dependências e afectos, Jorge Palma cantava nos anos 90: "Todos nós pagamos por tudo o que usamos/o sistema é antigo e não poupa ninguém/ somos todos escravos do que precisamos, reduz as necessidades se queres passar bem". A música chama-se "A gente vai continuar". A gente vai continuar. Apesar destes políticos
."

Pedro Santos Guerreiro

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