terça-feira, março 29, 2011

Os amigos e as ocasiões

"Dados os esforços do Governo, não admira que o défice ande pelas alturas que o Governo anuncia ou, se formos picuinhas, pelas alturas que o Governo, com modéstia, evita anunciar. Mesmo no estertor do seu prodigioso reinado, as sumidades que nos tutelam continuaram a arranjar maneira de empurrar o País rumo ao progresso que tanto jeito nos dá. Veja--se um exemplo. Digamos que, dois dias antes de cair, o Ministério da Economia possui uma verba disponível, digamos uns 10,9 milhões de euros. Digamos que decide aplicá-la a bem da nação numa actividade moderna, digamos as tecnologias informáticas. Digamos que celebra um "contrato de investimento" com uma empresa do ramo, digamos a J. P. Sá Couto do Magalhães e do nosso orgulho. Digamos que o contrato visa instituir a primeira unidade europeia de produção de motherboards, geringonças que os computadores e a Europa não dispensam. Digamos que, segundo despacho publicado no Diário da República, a unidade em causa deverá conseguir, em 2016, um "valor de vendas de cerca de 3281,5 milhões" (note-se a precisão das previsões), um "valor acrescentado de 248,3 milhões" e a criação de 200 postos de trabalho. Alguns argumentarão ser absurdo o Estado apoiar financeiramente uma empresa que, através de uma só "unidade", obterá em poucos anos um lucro espantoso. Não sabem o que dizem. Apesar da exactidão das previsões, tal lucro é evidentemente imaginário. Os 248,3 milhões podiam trocar-se jovialmente por 2 mil milhões ou 200 mil milhões: as motherboards de todo o mundo são feitas na China e arredores, pelo que a inexistência de concorrência europeia não resulta apenas de distracção. Contas feitas, não sobrará nada. Incluindo, ou sobretudo, os 10,9 milhões que sobravam no início deste episódio, ainda assim uma migalha se comparados com os 700 milhões "investidos" na saudosa Qimonda, apostada em espantar a Terra com memórias RAM ou lá o que era. A bancarrota tem a vantagem de moderar a dimensão das loucuras cometidas. Mas, com este Governo, a essência das loucuras que conduziram à bancarrota permanece até ao fim. Literalmente." Alberto Gonçalves

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