sexta-feira, abril 08, 2011

O patriota

"(Onde o autor adjectiva esse grande artista português, José Sócrates, que consegue praticar com grande proficiência vários números de representação, agora num dos papéis em que se exorbita, o de patriota, em ponto de excelência idêntico ao inexcedível de vítima).

A ordem do dia é evidentemente o pedido de ajuda externa ao Fundo de Estabilização Financeira e ao FMI e nem sei se do dia em que escrevo para o dia em que vou parar às bancas se passa ainda alguma coisa extraordinária, como mais um corte de "rating", agora da mercearia do Palácio de S. Bento (à Presidência da República, que é outra gente, ainda vendem fiado). Nem sei se percebo bem como se caiu nisto de supetão, ao ponto de daqui a uns dias não ir haver dinheiro para pagar compromissos do Estado, no exterior e entre muros, com a banca a recusar financiar a República para evitar activos tóxicos (ao fim e ao cabo, a função dela é proteger os depósitos e salvaguardar os interesses dos accionistas) e de aos trabalhadores dos transportes públicos nem valer a pena fazer a grevezinha do costume porque já só há vales.


A provocação do PEC IV no modo como apareceu imposta, a ingenuidade do PSD apanhado em contra-pé e a inércia congelante do PR desencadearam o "gran finale", o foguete de fim de festas, mas a queda livre dum longo processo de desporto radical conduzido por Sócrates foi mesmo o pedido de ajuda à EU, na quarta-feira, como se alguém tivesse apertado o patriota Sócrates pelo gasganete. Tudo isto envolve drama, a vida de milhões de pessoas, nem que seja na insegurança, incerteza e perplexidade em que vivem.


Mas, com o patriota Sócrates e o Financial Ali aos microfones, os verdadeiros apreciadores ainda conseguem gozar altos momentos de Opera buffa, segundo a grande regra neoliberal que diz "antes rir que gastar no Xanax". Foi ver o Ali a jurar na sexta-feira que o governo não ia mexer uma palha em pedidos de ajuda externa e adiantar que só o PR tinha competência para tal - isto num momento de exuberância constitucionalista. E foi mais ainda ouvir o patriota jurar em entrevista, na segunda-feira, que FMI, por ele, nem vê-lo, acrescentando frases de grande empolgamento, quando não de fino recorte emocional como o seu "compromisso em evitar que Portugal peça ajuda externa".


Mas, lágrimas nos olhos, essas jorraram-me quando afirmou, bélico: "Entre mim e o FMI estão 10.000.000 de portugueses". Aí achei que puxou da espada e matou o touro de um só golpe, entre aplausos em delírio, flores e mesmo cuequinhas de jovens militantes socialistas esvoaçando no ar. Esta triste representação é a que temos tido há meses a fio, com o défice a subir, os juros sempre ascendentes e os PEC a avançarem ao ponto de haver gente a aprender algarismos romanos para saber como acompanhar os seguintes... mas com o PM sempre no registo bélico da resistência aos nazis, digo ao FMI. Várias vezes pôs-se como o "único" a continuar a lutar numa batalha pelo bom nome de Portugal.


Mas nunca reparou que os moinhos são de vento, que o FMI e a CE são instituições a que pertencemos e para as quais contribuímos, até com dinheiro, e não só palavras piedosas. Mas o patriotismo a sério era de outro teor: era ser competente como Zapatero, pondo em acção medidas firmes de combate ao défice oportunamente, e não recusá-las com vitupérios anti-direita; ou mais ousadamente, vendo o percurso inexorável dos juros, ultrapassando os fatídicos 7% que o Financial Ali tinha estabelecido como limite suportável, entrar em conversações atempadas com a EU.


O prestígio de Portugal seria, sim, protegido numa mesa de negociações em que não estivesse estabelecida a pressão excessiva da urgência, ainda com domínio de opções e capacidade de contrapropostas e não como vai ser, "pega lá e é se queres". Assim temos o patriota, pronto para uma fátua batalha, que dizia dantesca, se calhar ainda vestido de peles de animais ferozes (até pode ir nu, portanto), proferindo gritos de batalha escorridos na rouquidão do desaire, sempre a vitimizar-se, digno da comiseração da derrota em batalha que enfrentou de forma inepta e perdedora. Não dava para um Triunfo romano. M


Mas eu sou patriota e recordo-me chocado da vil pedinchice à Dilma durante a luta "patriótica" do PM, com os repórteres em estado de excitação como os bobos em corte medieval, perguntando se viria ajuda do Brasil e ela respondendo " gringa": "no Banco do Brasil só com triple AAA". São patriotas como este Sócrates que dão bom nome ao Conde Andeiro
"

Fernando Braga de Matos

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