A especulação à solta
"Os mercados estão com a cabeça a andar à roda. Um sopro torna-se furacão, um azar passa a tragédia, uma alegria vira azia. Enquanto as acções derretem na incineradora do pânico, muitos fazem fortunas do dia para a noite. Ataque especulativo, diz Sarkozy. Diz Zapatero. Diz Berlusconi. Diz agora até Obama. E diz Vasco de Mello.
Vários gestores portugueses têm criticado as vendas a descoberto, e não só através de "naked short-selling", que permite vender acções que não se tem. Ricardo Salgado foi o primeiro, António Mexia depois, Carlos Tavares também. Mas hoje é a primeira vez que um presidente de uma empresa cotada denuncia, em declarações a este jornal, uma suspeita de manipulação de acções da sua própria empresa: da Brisa.
Os crentes dos mercados que ainda são crédulos acham estas críticas uma paspalhice. Mas a questão põe-se: o "short-selling" é uma forma de diversificar risco, ganhando dinheiro quando as acções desvalorizam? Ou, sendo isso, permite também manipulações de acções ao ponto de as deixar inanimadas?
"Portugal está de 'shorts'", escreveu-se aqui há três anos. A acção do BCP tem sido rodada como uma galdéria entre "short sellers". Como a da EDP, que convenientemente não pára de tombar desde que se anunciou a privatização. A privatização do seu controlo!
Agora a Brisa. A Brisa tem problemas evidentes: está muito endividada, as taxas de juro estão a subir, o tráfego a cair, há concessões que estão a valer zero. Mas no último mês e meio, em que a bolsa caiu 19%, a Brisa caiu quase 40%. "Short-selling"? Aqui surge a perplexidade: ao contrário do BCP e da EDP, a Brisa tem pouca dispersão em bolsa. Para haver um ataque especulativo, é preciso quem, detendo acções, as esteja a emprestar a troco de uma comissão. Sabe-se das tensões entre a José de Mello e os seus parceiros Arcus (com quem houve conflito no final do ano) e Abertis (que prometem vender tudo há dois anos mas não vendem nada). Mas não é possível acreditar que algum deles ande nisto.
Desde 2007 que reguladores e legisladores prometem enjaular o mercado financeiro, mas são tíbios ou falhos. É o caso dos CDS, que ainda ontem zarparam para a dívida francesa. É o caso do "short-selling", que chegou, recorde-se, a ser proibido em 2008 em acções do sector financeiro na Alemanha, no Reino Unido e nos Estados Unidos.
O nervosismo é hoje tão grande que tornou os mercados quase descontrolados. Qualquer rumor gera um movimento de pânico, como se viu ontem com a banca francesa. Para mais, os líderes europeus continuam a mostrar-se sólidos como plasticina. Angela Merkel não sabe como salvar o euro e salvar-se a si mesma na Alemanha - país que se tornou nuclear na crise europeia sem estar pronto nem ter estratégia para isso. O seu amigo Sarkozy decidiu ontem dizer que ia interromper as férias, o que provocou boatos imediatos. Zapatero fizera o mesmo há semanas, com o mesmo desfecho. E até Obama, dos discursos maravilhosos, fez uma intervenção ridícula sobre as agências de "rating".
Tudo isto é desespero, tudo isto alimenta o pânico, tudo isto destrói a confiança sobre a qual se erguera o edifício dos mercados financeiros globalizados. Sem confiança não há mercados, sobram arenas, onde se come aquilo que se mata. E que agora se tornou canibal: devora-se.
Ontem foi o banco francês Société Générale a ser roído. Muitos perderam milhões. Muitos ganharam milhões. Está certo: "Banca Francesa" é, como se sabe, o nome de um jogo de casino."
Pedro Santos Guerreiro
Vários gestores portugueses têm criticado as vendas a descoberto, e não só através de "naked short-selling", que permite vender acções que não se tem. Ricardo Salgado foi o primeiro, António Mexia depois, Carlos Tavares também. Mas hoje é a primeira vez que um presidente de uma empresa cotada denuncia, em declarações a este jornal, uma suspeita de manipulação de acções da sua própria empresa: da Brisa.
Os crentes dos mercados que ainda são crédulos acham estas críticas uma paspalhice. Mas a questão põe-se: o "short-selling" é uma forma de diversificar risco, ganhando dinheiro quando as acções desvalorizam? Ou, sendo isso, permite também manipulações de acções ao ponto de as deixar inanimadas?
"Portugal está de 'shorts'", escreveu-se aqui há três anos. A acção do BCP tem sido rodada como uma galdéria entre "short sellers". Como a da EDP, que convenientemente não pára de tombar desde que se anunciou a privatização. A privatização do seu controlo!
Agora a Brisa. A Brisa tem problemas evidentes: está muito endividada, as taxas de juro estão a subir, o tráfego a cair, há concessões que estão a valer zero. Mas no último mês e meio, em que a bolsa caiu 19%, a Brisa caiu quase 40%. "Short-selling"? Aqui surge a perplexidade: ao contrário do BCP e da EDP, a Brisa tem pouca dispersão em bolsa. Para haver um ataque especulativo, é preciso quem, detendo acções, as esteja a emprestar a troco de uma comissão. Sabe-se das tensões entre a José de Mello e os seus parceiros Arcus (com quem houve conflito no final do ano) e Abertis (que prometem vender tudo há dois anos mas não vendem nada). Mas não é possível acreditar que algum deles ande nisto.
Desde 2007 que reguladores e legisladores prometem enjaular o mercado financeiro, mas são tíbios ou falhos. É o caso dos CDS, que ainda ontem zarparam para a dívida francesa. É o caso do "short-selling", que chegou, recorde-se, a ser proibido em 2008 em acções do sector financeiro na Alemanha, no Reino Unido e nos Estados Unidos.
O nervosismo é hoje tão grande que tornou os mercados quase descontrolados. Qualquer rumor gera um movimento de pânico, como se viu ontem com a banca francesa. Para mais, os líderes europeus continuam a mostrar-se sólidos como plasticina. Angela Merkel não sabe como salvar o euro e salvar-se a si mesma na Alemanha - país que se tornou nuclear na crise europeia sem estar pronto nem ter estratégia para isso. O seu amigo Sarkozy decidiu ontem dizer que ia interromper as férias, o que provocou boatos imediatos. Zapatero fizera o mesmo há semanas, com o mesmo desfecho. E até Obama, dos discursos maravilhosos, fez uma intervenção ridícula sobre as agências de "rating".
Tudo isto é desespero, tudo isto alimenta o pânico, tudo isto destrói a confiança sobre a qual se erguera o edifício dos mercados financeiros globalizados. Sem confiança não há mercados, sobram arenas, onde se come aquilo que se mata. E que agora se tornou canibal: devora-se.
Ontem foi o banco francês Société Générale a ser roído. Muitos perderam milhões. Muitos ganharam milhões. Está certo: "Banca Francesa" é, como se sabe, o nome de um jogo de casino."
Pedro Santos Guerreiro
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