A queda da Zona Euro
"A crise na Zona Euro parece estar a atingir o seu auge: a Grécia à beira do incumprimento e uma inglória saída da união monetária, ao passo que Itália está prestes a perder o acesso ao mercado de financiamento. Mas os problemas da Zona Euro são muito mais profundos. São estruturais e penalizam severamente pelo menos quatro outras economias: Irlanda, Portugal, Chipre e Espanha.
Na última década, os PIIGS (Portugal, Irlanda, Itália, Grécia e Espanha) eram os consumidores de primeiro e último recurso da Zona Euro, gastando mais do que obtinham de rendimentos e registando um défice de contas correntes cada vez maior. Ao mesmo tempo, os países do núcleo da Zona Euro (Alemanha, Holanda, Áustria e França) eram os produtores de primeiro e último recurso, gastando menos do que ganhavam e apresentando contas correntes crescentemente excedentárias.
Estes desequilíbrios externos foram também sustentados pela solidez do euro desde 2002 e pela divergência entre as taxas de câmbio reais e a competitividade dentro da Zona Euro. Os custos unitários do trabalho diminuíram na Alemanha e noutras regiões do núcleo da Zona Euro (porque os salários cresceram menos do que a produtividade), levando a uma depreciação em termos reais e a um aumento do superavit das contas correntes, ao mesmo tempo que se registava precisamente o contrário nos PIIGS e no Chipre, levando a uma apreciação em termos reais e a um aumento do défice das contas correntes. Na Irlanda e em Espanha, o nível das poupanças dos particulares caiu fortemente e a bolha no mercado imobiliário alimentou um consumo excessivo, ao passo que na Grécia, em Portugal, no Chipre e em Itália foram os excessivos défices orçamentais que exacerbaram os desequilíbrios externos.
A consequente acumulação de dívida privada e pública nos países deficitários deixou de ser controlável quando as bolhas imobiliárias estoiraram (Irlanda e Espanha) e quando os défices das contas correntes e os buracos orçamentais, ou ambos, se tornaram insustentáveis na periferia da Zona Euro. Além disso, os enormes défices das contas correntes dos países periféricos, impulsionados pelo consumo excessivo, fizeram-se acompanhar pela estagnação económica e pela perda de competitividade.
Então, o que nos resta agora?
A reflação [estimular a economia através do aumento do suprimento de moeda ou reduzindo taxas, é o oposto de deflação] simétrica é a melhor opção para restaurar a competitividade e o crescimento na periferia da Zona Euro, ao mesmo tempo que se levam a cabo as necessárias medidas de austeridade e reformas estruturais. Isto implica uma significativa flexibilização da política monetária por parte do BCE; provisão de apoio ilimitado de credor de último recurso a economias ilíquidas mas potencialmente solventes; uma forte depreciação do euro, o que poderá transformar os défices das contas correntes em excedentes; e estímulos orçamentais nos países do núcleo se a periferia for obrigada à austeridade.
Lamentavelmente, a Alemanha e o BCE opõem-se a esta opção, devido à perspectiva de uma dose temporária de inflação modestamente mais elevada nos países do núcleo da Zona Euro face à periferia.
O amargo medicamento que a Alemanha e o BCE querem impor à periferia – a segunda opção – é a deflação recessiva: austeridade orçamental; reformas estruturais visando impulsionar o crescimento da produtividade e reduzir os custos unitários do trabalho; e uma depreciação real, através do ajuste de preços, por oposição ao ajuste da taxa de câmbio nominal.
Os problemas com esta opção são imensos. A austeridade orçamental, se bem que necessária, significa uma recessão mais profunda no curto prazo. Mesmo as reformas estruturais reduzem a produção no curto prazo, porque é algo que exige que se despeçam trabalhadores, que se encerrem empresas que estão a dar prejuízos e que seja feita uma realocação gradual da mão-de-obra e do capital em novas indústrias emergentes. Assim, para evitar uma espiral de recessão ainda mais profunda, a periferia precisa de uma depreciação real para melhorar o seu défice externo. Mas mesmo que os preços e salários caiam 30% nos próximos anos, o valor real da dívida aumentará fortemente, agravando a insolvência dos governos e dos devedores privados.
Em suma, a periferia da Zona Euro está agora perante um paradoxo: aumentar excessivamente as poupanças ou demasiadamente depressa leva a uma nova recessão e torna as dívidas ainda mais insustentáveis. E esse paradoxo está agora a afectar também o "core" da Zona Euro.
Se os países periféricos continuarem enredados numa armadilha deflacionista de elevado endividamento, queda da produção, fraca competitividade e défices externos estruturais, acabarão por se sentir tentados por uma terceira opção: o "default" e a saída da Zona Euro. Isso permitir-lhes-ia revitalizar o crescimento económico e a competitividade, através da depreciação das novas moedas nacionais.
Evidentemente, um tal desmoronamento desordenado da Zona Euro constituiria um choque tão severo como o do colapso do Lehman Brothers em 2008, se não mesmo pior. Para o evitar, as economias do núcleo da Zona Euro terão de escolher a quarta e última opção: subornar a periferia para que se mantenham num estado de fraco crescimento, sem qualquer competitividade. Isso exigirá que aceitem sofrer perdas com uma significativa proporção da dívida pública e privada, bem como uma avultada transferência de dinheiro que impulsione os rendimentos da periferia, numa altura em que a sua produção estará estagnada.
De certa forma, é isso que Itália tem vindo a fazer há décadas: usar a ajuda das suas regiões do Norte para subsidiar as regiões mais pobres do Mezzogiorno. Mas essas transferências orçamentais permanentes são politicamente impossíveis na Zona Euro, onde os alemães são alemães e os gregos são gregos.
Isso significa também que a Alemanha e o BCE têm menos poder do que aquilo que pensam. Se não abandonarem o ajustamento assimétrico (deflação recessiva), que concentra todas as dores na periferia, e se não optarem por uma abordagem mais simétrica (austeridade e reformas estruturais na periferia, conjugadas com uma reflação em toda a Zona Euro), o incipiente derrube da união monetária irá acelerar à medida que os países da periferia forem entrando em incumprimento e abandonando a Zona Euro.
O recente caos na Grécia e em Itália pode ser o primeiro passo deste processo. Claramente, a Zona Euro não pode continuar a agir como tem feito até agora. Se a Zona Euro não caminhar no sentido de uma maior integração política, económica e orçamental (num caminho consistente com o restabelecimento do crescimento, competitividade e sustentabilidade da dívida no curto prazo, necessário para solucionar o problema da insustentabilidade da dívida e para reduzir os crónicos défices orçamentais e externos), a deflação recessiva irá certamente conduzir a um desmoronamento desordenado.
Sendo Itália demasiado grande para falir, demasiado grande para salvar e agora no ponto de não retorno, já começou o fim do jogo na Zona Euro. Primeiro virão as reestruturações sequenciais e coercivas da dívida e em seguida virão as saídas da união monetária, o que acabará por levar à desintegração da Zona Euro."
Nouriel Roubini
Na última década, os PIIGS (Portugal, Irlanda, Itália, Grécia e Espanha) eram os consumidores de primeiro e último recurso da Zona Euro, gastando mais do que obtinham de rendimentos e registando um défice de contas correntes cada vez maior. Ao mesmo tempo, os países do núcleo da Zona Euro (Alemanha, Holanda, Áustria e França) eram os produtores de primeiro e último recurso, gastando menos do que ganhavam e apresentando contas correntes crescentemente excedentárias.
Estes desequilíbrios externos foram também sustentados pela solidez do euro desde 2002 e pela divergência entre as taxas de câmbio reais e a competitividade dentro da Zona Euro. Os custos unitários do trabalho diminuíram na Alemanha e noutras regiões do núcleo da Zona Euro (porque os salários cresceram menos do que a produtividade), levando a uma depreciação em termos reais e a um aumento do superavit das contas correntes, ao mesmo tempo que se registava precisamente o contrário nos PIIGS e no Chipre, levando a uma apreciação em termos reais e a um aumento do défice das contas correntes. Na Irlanda e em Espanha, o nível das poupanças dos particulares caiu fortemente e a bolha no mercado imobiliário alimentou um consumo excessivo, ao passo que na Grécia, em Portugal, no Chipre e em Itália foram os excessivos défices orçamentais que exacerbaram os desequilíbrios externos.
A consequente acumulação de dívida privada e pública nos países deficitários deixou de ser controlável quando as bolhas imobiliárias estoiraram (Irlanda e Espanha) e quando os défices das contas correntes e os buracos orçamentais, ou ambos, se tornaram insustentáveis na periferia da Zona Euro. Além disso, os enormes défices das contas correntes dos países periféricos, impulsionados pelo consumo excessivo, fizeram-se acompanhar pela estagnação económica e pela perda de competitividade.
Então, o que nos resta agora?
A reflação [estimular a economia através do aumento do suprimento de moeda ou reduzindo taxas, é o oposto de deflação] simétrica é a melhor opção para restaurar a competitividade e o crescimento na periferia da Zona Euro, ao mesmo tempo que se levam a cabo as necessárias medidas de austeridade e reformas estruturais. Isto implica uma significativa flexibilização da política monetária por parte do BCE; provisão de apoio ilimitado de credor de último recurso a economias ilíquidas mas potencialmente solventes; uma forte depreciação do euro, o que poderá transformar os défices das contas correntes em excedentes; e estímulos orçamentais nos países do núcleo se a periferia for obrigada à austeridade.
Lamentavelmente, a Alemanha e o BCE opõem-se a esta opção, devido à perspectiva de uma dose temporária de inflação modestamente mais elevada nos países do núcleo da Zona Euro face à periferia.
O amargo medicamento que a Alemanha e o BCE querem impor à periferia – a segunda opção – é a deflação recessiva: austeridade orçamental; reformas estruturais visando impulsionar o crescimento da produtividade e reduzir os custos unitários do trabalho; e uma depreciação real, através do ajuste de preços, por oposição ao ajuste da taxa de câmbio nominal.
Os problemas com esta opção são imensos. A austeridade orçamental, se bem que necessária, significa uma recessão mais profunda no curto prazo. Mesmo as reformas estruturais reduzem a produção no curto prazo, porque é algo que exige que se despeçam trabalhadores, que se encerrem empresas que estão a dar prejuízos e que seja feita uma realocação gradual da mão-de-obra e do capital em novas indústrias emergentes. Assim, para evitar uma espiral de recessão ainda mais profunda, a periferia precisa de uma depreciação real para melhorar o seu défice externo. Mas mesmo que os preços e salários caiam 30% nos próximos anos, o valor real da dívida aumentará fortemente, agravando a insolvência dos governos e dos devedores privados.
Em suma, a periferia da Zona Euro está agora perante um paradoxo: aumentar excessivamente as poupanças ou demasiadamente depressa leva a uma nova recessão e torna as dívidas ainda mais insustentáveis. E esse paradoxo está agora a afectar também o "core" da Zona Euro.
Se os países periféricos continuarem enredados numa armadilha deflacionista de elevado endividamento, queda da produção, fraca competitividade e défices externos estruturais, acabarão por se sentir tentados por uma terceira opção: o "default" e a saída da Zona Euro. Isso permitir-lhes-ia revitalizar o crescimento económico e a competitividade, através da depreciação das novas moedas nacionais.
Evidentemente, um tal desmoronamento desordenado da Zona Euro constituiria um choque tão severo como o do colapso do Lehman Brothers em 2008, se não mesmo pior. Para o evitar, as economias do núcleo da Zona Euro terão de escolher a quarta e última opção: subornar a periferia para que se mantenham num estado de fraco crescimento, sem qualquer competitividade. Isso exigirá que aceitem sofrer perdas com uma significativa proporção da dívida pública e privada, bem como uma avultada transferência de dinheiro que impulsione os rendimentos da periferia, numa altura em que a sua produção estará estagnada.
De certa forma, é isso que Itália tem vindo a fazer há décadas: usar a ajuda das suas regiões do Norte para subsidiar as regiões mais pobres do Mezzogiorno. Mas essas transferências orçamentais permanentes são politicamente impossíveis na Zona Euro, onde os alemães são alemães e os gregos são gregos.
Isso significa também que a Alemanha e o BCE têm menos poder do que aquilo que pensam. Se não abandonarem o ajustamento assimétrico (deflação recessiva), que concentra todas as dores na periferia, e se não optarem por uma abordagem mais simétrica (austeridade e reformas estruturais na periferia, conjugadas com uma reflação em toda a Zona Euro), o incipiente derrube da união monetária irá acelerar à medida que os países da periferia forem entrando em incumprimento e abandonando a Zona Euro.
O recente caos na Grécia e em Itália pode ser o primeiro passo deste processo. Claramente, a Zona Euro não pode continuar a agir como tem feito até agora. Se a Zona Euro não caminhar no sentido de uma maior integração política, económica e orçamental (num caminho consistente com o restabelecimento do crescimento, competitividade e sustentabilidade da dívida no curto prazo, necessário para solucionar o problema da insustentabilidade da dívida e para reduzir os crónicos défices orçamentais e externos), a deflação recessiva irá certamente conduzir a um desmoronamento desordenado.
Sendo Itália demasiado grande para falir, demasiado grande para salvar e agora no ponto de não retorno, já começou o fim do jogo na Zona Euro. Primeiro virão as reestruturações sequenciais e coercivas da dívida e em seguida virão as saídas da união monetária, o que acabará por levar à desintegração da Zona Euro."
Nouriel Roubini
1 Comments:
Este tipo é o sistema.
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