BCP? Pennies from heaven
"Já é possível publicar livros inteiros de piadas com a decimal cotação do BCP. É um pagode, nos bancos e nas tabernas. Mas o nanismo envergonhado das acções tem sido mais do que uma métrica da decadência da banca: o BCP tem sido carne para o canhão dos especuladores. Ganham-se fortunas numa manhã que se perdem à tarde. O que se passou esta semana na Bolsa é escandaloso.
No sábado, o "Expresso" noticiou que a Sonangol vai participar num aumento de capital do BCP. A informação foi publicada com base em fontes não identificadas, tendo outros jornais, incluindo o Negócios, confirmado depois a sua veracidade. No domingo, Marcelo Rebelo de Sousa "anunciou", sem mais informação, que as acções do BCP estavam baratas e que iriam ser vendidas como pãezinhos quentes. Na segunda-feira, o circo saiu à rua: foram transaccionadas 320 milhões de acções, que chegaram a subir 36,5% e fecharam a valorizar-se 10,57%. Está tudo doido?!
O Professor Marcelo ficou "lélé da cuca", como o próprio costuma dizer. Tendo a influência que tem, não pode dar recomendações bolsistas, sobretudo sem informação e para acções tão delicadas. Mas a sua foi a menor das irresponsabilidades. Até hoje, nem a Sonangol nem o BCP foram chamados a explicar, confirmar, desmentir ou completar a informação: vai haver aumento de capital? De quanto? Com que objectivo? A Sonangol vai assumir que percentagem do BCP? Que plano estratégico tem?
Houve uma falha grave da CMVM, o que surpreende, tendo em conta a normal hiperactividade do regulador, que costuma ser acusado pelas empresas cotadas de excesso de zelo, não de inacção. Como se não bastasse, a Bolsa portuguesa cobriu-se de ridículo quando se percebeu que a Euronext e a CMVM (ou seja, Bolsa e regulador da Bolsa) não se entendem quanto à suspensão que devia ter sido feita da negociação.
Claro que devia. A Euronext diz que as acções abaixo de 50 cêntimos, as chamadas "penny stocks", só podem ser suspensas se valorizarem mais de cinco cêntimos. É uma regra estúpida, porque não é a mesma coisa ser um BCP ou uma ParaRede subir 36,5%. A ParaRede, que durante anos era a galhofa da Bolsa, não tinha dispersão nem liquidez. Mas o BCP é das acções mais líquidas em Portugal. Ninguém acha que 320 milhões de acções transaccionadas num dia é a mesma coisa que duas mil acções. Ninguém, excepto a Euronext.
Neste espectáculo de horrores, toda a gente sai mal. Incluindo a tristeza de ver dois governos negociar o futuro de um banco privado como se fosse dote entre dois reinos. Incluindo a Sonangol, que sendo o maior accionista do maior banco privado em Portugal, age sem reporte, sem comunicação e sem transparência. O investidor angolano tem de aprender que os demais investidores merecem consideração e que a bolsa é um mercado de informação, não de omissão.
Pouca gente se queixa porque o surto especulativo foi benéfico para muitos, incluindo (a curto prazo...) o BCP. Entre a subida matinal e o fecho vespertino de segunda-feira, desapareceu mais de 20% do dinheiro. Alguém ganhou. Alguém perdeu. E esta casinada é um desrespeito para o mercado de capitais e para aqueles que investem o seu dinheiro em companhias em que acreditam, com base em informação clara e de conhecimento geral.
O BCP é uma Maria-vai-com-as-outras. As acções já foram esticadas por "short sellers", pisadas por "day traders" e manipuladas por oportunistas. Já nem é uma "penny stock", é uma "pena stock": dá dó ver tanta especulação. Quando Billie Holiday cantava "Pennies From Heaven", não era nisto que estava a pensar. Mas apetece citar a música: "Chovem 'pennies' do céu. Assegure-se de que o seu chapéu de chuva está ao contrário e troque-os por raios solares e flores".
Nunca a Bolsa foi tão regulamentada e, ao mesmo tempo, abandalhada. Isto não é investimento, é palhaçada. Adivinhe quem é o palhaço..."
Pedro Santos Guerreiro
No sábado, o "Expresso" noticiou que a Sonangol vai participar num aumento de capital do BCP. A informação foi publicada com base em fontes não identificadas, tendo outros jornais, incluindo o Negócios, confirmado depois a sua veracidade. No domingo, Marcelo Rebelo de Sousa "anunciou", sem mais informação, que as acções do BCP estavam baratas e que iriam ser vendidas como pãezinhos quentes. Na segunda-feira, o circo saiu à rua: foram transaccionadas 320 milhões de acções, que chegaram a subir 36,5% e fecharam a valorizar-se 10,57%. Está tudo doido?!
O Professor Marcelo ficou "lélé da cuca", como o próprio costuma dizer. Tendo a influência que tem, não pode dar recomendações bolsistas, sobretudo sem informação e para acções tão delicadas. Mas a sua foi a menor das irresponsabilidades. Até hoje, nem a Sonangol nem o BCP foram chamados a explicar, confirmar, desmentir ou completar a informação: vai haver aumento de capital? De quanto? Com que objectivo? A Sonangol vai assumir que percentagem do BCP? Que plano estratégico tem?
Houve uma falha grave da CMVM, o que surpreende, tendo em conta a normal hiperactividade do regulador, que costuma ser acusado pelas empresas cotadas de excesso de zelo, não de inacção. Como se não bastasse, a Bolsa portuguesa cobriu-se de ridículo quando se percebeu que a Euronext e a CMVM (ou seja, Bolsa e regulador da Bolsa) não se entendem quanto à suspensão que devia ter sido feita da negociação.
Claro que devia. A Euronext diz que as acções abaixo de 50 cêntimos, as chamadas "penny stocks", só podem ser suspensas se valorizarem mais de cinco cêntimos. É uma regra estúpida, porque não é a mesma coisa ser um BCP ou uma ParaRede subir 36,5%. A ParaRede, que durante anos era a galhofa da Bolsa, não tinha dispersão nem liquidez. Mas o BCP é das acções mais líquidas em Portugal. Ninguém acha que 320 milhões de acções transaccionadas num dia é a mesma coisa que duas mil acções. Ninguém, excepto a Euronext.
Neste espectáculo de horrores, toda a gente sai mal. Incluindo a tristeza de ver dois governos negociar o futuro de um banco privado como se fosse dote entre dois reinos. Incluindo a Sonangol, que sendo o maior accionista do maior banco privado em Portugal, age sem reporte, sem comunicação e sem transparência. O investidor angolano tem de aprender que os demais investidores merecem consideração e que a bolsa é um mercado de informação, não de omissão.
Pouca gente se queixa porque o surto especulativo foi benéfico para muitos, incluindo (a curto prazo...) o BCP. Entre a subida matinal e o fecho vespertino de segunda-feira, desapareceu mais de 20% do dinheiro. Alguém ganhou. Alguém perdeu. E esta casinada é um desrespeito para o mercado de capitais e para aqueles que investem o seu dinheiro em companhias em que acreditam, com base em informação clara e de conhecimento geral.
O BCP é uma Maria-vai-com-as-outras. As acções já foram esticadas por "short sellers", pisadas por "day traders" e manipuladas por oportunistas. Já nem é uma "penny stock", é uma "pena stock": dá dó ver tanta especulação. Quando Billie Holiday cantava "Pennies From Heaven", não era nisto que estava a pensar. Mas apetece citar a música: "Chovem 'pennies' do céu. Assegure-se de que o seu chapéu de chuva está ao contrário e troque-os por raios solares e flores".
Nunca a Bolsa foi tão regulamentada e, ao mesmo tempo, abandalhada. Isto não é investimento, é palhaçada. Adivinhe quem é o palhaço..."
Pedro Santos Guerreiro
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