domingo, novembro 20, 2011

Portugal e a função fotossíntese

"Está a criar-se a ideia de que, como os políticos são incapazes de resolver os problemas, os tecnocratas são a solução, porque entendem os mercados. Sendo assim, para que é que serve a democracia? A questão é que a crise não é só económica: é também social e cultural. E política.
Como na célebre teoria do dominó, as peças vão caindo umas atrás das outras. O governo grego caiu, o italiano também, o espanhol deve perder as eleições. Da Bélgica já não se fala: vive há muito sem governo. A classe política, depois de dar tiros nos pés, sucumbe agora a tiros no coração. É desesperante como em cerca de duas dezenas de anos a classe política europeia conseguiu delapidar a sua herança de referente das sociedades modernas e do Estado-nação. A substituição de governos eleitos democraticamente por executivos tecnocratas é sintomática da fase de descrença com que os cidadãos olham para os que são os seus representantes. Há um outro lado da moeda temível: está a criar-se a ideia de que, como os políticos são incapazes de resolver os problemas, os tecnocratas são a solução, porque entendem os mercados. Sendo assim, para que é que serve a democracia?

Até agora o grande consenso é a de que a crise é só económica e financeira. Tudo se resolverá com austeridade e com uma dimensão de dívida pública sustentável no quadro de um Estado menor. O problema é que não é: esta crise é social e cultural. E, claro, política. Vivemos o culminar de uma época em que a economia passou a fazer parte do discurso dominante. Quando Bill Clinton, em 1992, disse: "É a economia, estúpido", uma nova era começava. O próprio interesse dos cidadãos dos países ocidentais sobre a política deixou de se centrar nos vícios privados e nas públicas virtudes dos líderes e a centrar-se no que lhes confortava ou não economicamente. Os anos de crescimento económico sem limites terminaram. Reagan e Thatcher ensaiaram a grande mudança, mas só agora se sente, a sério, essa mudança de paradigma. Hoje tudo ciranda à volta da economia: o movimento dos 99% é o quê, senão a confirmação de que a economia passou a ser mais importante no imediato do que a luta por grandes causas ou valores? Veja-se o apagão que sofreu, lamentavelmente, a questão ecológica. Algo que as futuras gerações irão pagar bem caro. Tome-se apenas um exemplo: Berlusconi caiu não por causa do "Bunga-bunga", mas porque as taxas de juro das obrigações públicas estavam a atingir valores insuportáveis. Mário Monti, formado no clube da Goldman Sachs, constituiu um governo de tecnocratas. Segundo ele, tem o apoio político maioritário. Para Monti, a ausência de políticos no Governo "ajudará mais do que estorvará o governo a ter uma sólida base de apoio para o executivo no Parlamento e nos partidos políticos porque removerá terreno para a discórdia". A tecnocracia resolverá, ou não, tudo a curto prazo. Mas a política continua a ser a mais perfeita arquitectura para por toda a sociedade a comunicar entre si. Sem ela, a democracia entrará numa nova Idade Média.

Vivemos o culminar de uma época. E em Portugal também. Terminada a temporada de anúncio das grandes medidas de austeridade para 2012, o Governo precisa agora de apontar opções. Como o tutor do sítio, Poul Thomsen disse: "ou cortamos salários e ficamos pobres ou ficamos mais produtivos para poder pagar esses salários". Restou um pormenor: de corte em corte pode-se aumentar a pressão da panela social até ela explodir. Por isso, para o Governo, só há uma opção política: criar uma verdadeira estratégia para a economia portuguesa, limitando as ervas daninhas que a têm impedido de viver. Terminou a fase das lágrimas de crocodilo. Vamos poder usá-las todas em 2012. Mas em 2013 este discurso já não poderá continuar a valer. O País, como as plantas, tem de se preparar para a fase da função fotossíntese: é preciso sintetizar para criar energia. E esse vai ser o momento determinante deste Governo
."

Fernando Sobral

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