quarta-feira, maio 02, 2012

Porquê Comércio Justo?

"Historicamente, o termo "comércio justo" já significou muitas coisas. A Liga do Comércio Justo foi fundada na Grã-Bretanha, em1881, para restringir as importações de países estrangeiros. Nos Estados Unidos, empresas e sindicatos usam leis de "comércio justo" para construir o que o economista Joseph Stiglitz chama de "barreiras de arame farpado às importações". Estas leis, denominadas "anti-dumping", permitem que uma empresa que suspeite que um concorrente estrangeiro está a vender produtos abaixo do preço de custo, solicite ao governo a imposição de tarifas especiais que a protejam da concorrência "injusta".

Estes pensamentos de obscuro proteccionismo estão longe das mentes dos benevolentes organizadores da "Fairtrade Fornight" (Quinzena do Comércio Justo), que se realiza anualmente no Reino Unido, e durante a qual comprei duas barras de chocolate e um frasco de manteiga de amendoim, importados através do esquema de comércio justo. O objectivo louvável deste esquema é elevar o preço pago aos agricultores dos países em desenvolvimento pelos seus produtos, através da eliminação dos lucros exagerados dos intermediários, de quem os agricultores dependem para fazer chegar os seus produtos a mercados distantes. Os produtos incluídos neste esquema de comércio justo, tais como o cacau, café, chá e bananas, não competem com a produção interna europeia, e por isso, não estão sujeitos a argumentos proteccionistas.

Eis como isto funciona: em troca do pagamento de um preço mínimo garantido aos agricultores, e do cumprimento das normas laborais e ambientais (salários mínimos, ausência de pesticidas), as cooperativas agrícolas dos países pobres recebem um selo de COMÉRCIO JUSTO para os seus produtos, emitido pela "FAIRTRADE Labelling Organization" (Organização Internacional de Certificação do Comércio Justo). Esta certificação permite que os supermercados e outros retalhistas vendam os produtos a um preço mais elevado. Os agricultores do Terceiro Mundo recebem um aumento dos seus rendimentos, enquanto os consumidores do Primeiro Mundo se sentem virtuosos: uma espécie de casamento perfeito.

O movimento de comércio justo, que se iniciou nos anos 80, tem crescido rapidamente. Num avanço notável, em 1997, a Câmara dos Comuns britânica decidiu que só iria servir café de comércio justo. No final de 2007, mais de 600 organizações de produtores, que representam 1,4 milhões de agricultores em 58 países, vendiam produtos através do esquema de comércio justo. Hoje, um quarto de todas as bananas existentes nos supermercados do Reino Unido é vendido com o selo de "FAIRTRADE" (Comércio Justo). Contudo, os produtos rotulados com este selo ainda representam uma percentagem muito pequena – tipicamente inferior a 1% - das vendas mundiais de cacau, chá, café, etc.

A justificação económica para oferecer preços garantidos é bem conhecida: a estabilização dos preços dos produtos primários, que são sujeitos a fortes flutuações, estabiliza os rendimentos dos seus produtores. Este argumento inspirou várias propostas para a criação de "reservas de segurança" para as principais matérias-primas, a mais famosa das quais de John Maynard Keynes, em 1942. Estas reservas de segurança serviriam para controlar a oferta, retirando produtos do mercado quando os preços caíssem, e reforçando a oferta quando os preços subissem. A proposta de Keynes nunca chegou a fazer parte do Acordo de Bretton Woods, em 1944, e, apesar dos esquemas de regulação da oferta terem ressurgido na década de 70, também não deram em nada.

Posteriormente, economistas de esquerda como Raúl Prebisch, avançaram com a teoria do "declínio dos termos de troca" para os produtos primários: a teoria indica que os preços dos produtos primários têm uma tendência de queda, a longo prazo, em relação ao preço dos produtos manufacturados. Esta tendência parece ter estado activa a partir de meados da década de 80, quando os produtores de matérias-primas foram confrontados com uma persistente queda de preços. Além disso, as flutuações de preços durante toda essa década foram enormes, com consequências graves na África Subsaariana e outros países em desenvolvimento, que estavam fortemente dependentes das receitas das exportações de matérias-primas.

Desde então, porém, a queda de preços tem sido revertida. O preço dos alimentos básicos subiu 150% desde 2001. Isso aumentou os rendimentos dos produtores agrícolas, independentemente dos esforços do movimento do comércio justo. O argumento do "declínio dos termos do comércio" colapsou.

No entanto, os preços dos produtos primários continuam muito mais voláteis do que os preços dos serviços e bens manufacturados, o que provoca grandes flutuações nos rendimentos dos produtores. Isto intensifica os efeitos que as subidas e descidas dos preços têm nos mercados. Desta forma, a questão da estabilização de preços não desapareceu.

É difícil perceber de que forma o movimento do comércio justo pode contribuir, de um modo mais amplo, para resolver este problema, porque a única política eficiente para estabilizar as receitas dos produtores é controlar a oferta. Mas isso está fora do alcance do esquema do comércio justo.

O objectivo de todas as versões e interpretações do conceito de comércio justo é o "comércio livre", mas os maiores ataques ao selo "FAIRTRADE" (Comércio Justo) vieram justamente dos defensores do comércio livre. Em Unfair Trade (Comércio Desleal), um panfleto publicado em 2008 pelo Instituto Adam Smith, Mark Sidwell defende que o "FAIRTRADE" mantém os agricultores não competitivos nos campos agrícolas, travando, dessa forma, a diversificação e a mecanização. De acordo com Sidwell, o esquema de "FAIRTRADE" transforma os países em desenvolvimento numa espécie de guetos agrícolas, de trabalho intensivo, mas baixos lucros, negando às gerações futuras a oportunidade de uma vida melhor.

Isto sem considerar os efeitos que tem o esquema de comércio justo nas pessoas mais pobres desses países – não os agricultores, mas os trabalhadores agrícolas – que estão excluídos deste esquema de comercialização, devido aos seus custos e às normas de trabalho. Por outras palavras, o "FAIRTRADE" protege os agricultores contra os seus rivais, e também contra os trabalhadores agrícolas.

Os consumidores, defende Sidwell, também são enganados. Apenas uma pequena percentagem – cerca de 1% - da margem adicional que se paga por uma barra de chocolate com o selo de "FAIRTRADE" chegará aos produtores de cacau. Nem este selo é, necessariamente, uma garantia de qualidade: uma vez que os produtores recebem um preço mínimo pelos produtos que vendem ao abrigo do comércio justo, comercializam o melhor das suas colheitas no mercado aberto.

Mas, apesar da instabilidade dos seus pressupostos económicos, o movimento de comércio justo não deve ser desprezado. Os cínicos dizem que o seu único objectivo é fazer com que os consumidores se sintam bem em relação às suas compras – como a compra de indulgências na velha Igreja Católica – mas isto é menosprezar o comércio justo. Na verdade, o movimento representa uma faísca de protesto contra o consumismo irracional, uma resistência contra a lógica impessoal, e uma expressão de activismo comunitário.
Esta justificação não vai convencer os economistas, que preferem um tipo de raciocínio mais enxuto. Mas não é desadequado recordarmos que nem sempre os economistas e burocratas têm as coisas à sua maneira."
Robert Skidelsky

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