terça-feira, setembro 18, 2012

Zona Euro: por que deve a Alemanha liderar ou sair

"As autoridades não compreenderam a complexidade da crise, nem sequer viram uma solução para a mesma. Por isso, tentaram comprar tempo. A Europa está numa crise financeira desde 2007. Quando a falência do Lehman Brothers colocou em risco o crédito das instituições financeiras, o crédito privado foi substituído pelo crédito do Estado, revelando assim uma falha não reconhecida no euro. Ao transferirem para o Banco Central Europeu (BCE) o seu direito a emitirem moeda, os países membros expuseram-se ao risco de incumprimento, tal como os países do Terceiro Mundo altamente endividados numa moeda estrangeira.

Os bancos comerciais que detinham obrigações soberanas de países mais débeis tornaram-se potencialmente insolventes. Existe um paralelo entre a actual crise do euro e a crise bancária internacional de 1982. Naquela época, o Fundo Monetário Internacional (FMI) salvou o sistema bancário mundial ao emprestar dinheiro suficiente aos países fortemente endividados; o incumprimento foi evitado, mas a expensas de uma Depressão prolongada. A América Latina viveu uma década perdida. A Alemanha está a desempenhar actualmente o mesmo papel que o FMI desempenhou naquela altura. O cenário é diferente, mas o efeito é o mesmo. Os credores estão a transferir todo o encargo do ajustamento para os países devedores e a evitarem assumir as suas próprias responsabilidades. A crise do euro é um misto complexo de problemas da banca e da dívida soberana, bem como de disparidades no desempenho económico que deram origem a desequilíbrios na balança de pagamentos dentro da Zona Euro. As autoridades não compreenderam a complexidade da crise, nem sequer viram uma solução para a mesma. Por isso, tentaram comprar tempo. Normalmente, isso resulta.

Os pânicos financeiros terminam e as autoridades conseguem lucrar com a sua intervenção. Mas não desta vez, pois os problemas financeiros conjugaram-se com um processo de desintegração política. Quando a União Europeia foi criada, personificava uma sociedade aberta – uma associação voluntária de Estados iguais que abriram mão de parte da sua soberania em nome de um bem comum. A crise do euro está agora a transformar a UE em algo fundamentalmente diferente, dividindo os países membros em duas classes – credores e devedores –, com os credores no comando. Na qualidade de maior país credor, a Alemanha emergiu como a potência da hegemonia. Os países devedores pagam prémios de risco substanciais pelo financiamento das suas dívidas soberanas. Isto reflecte-se no seu custo de financiamento em geral. Para piorar as coisas, o Bundesbank continua apegado a uma doutrina monetária desactualizada, enraizada na traumática experiência da Alemanha em matéria de inflação.

Consequentemente, só reconhece a inflação como uma ameaça à estabilidade e ignora a deflação, que é a verdadeira ameaça que actualmente se coloca. Além disso, a insistência da Alemanha na austeridade para os países devedores pode facilmente tornar-se contraproducente, já que o rácio de endividamento aumenta à medida que o PIB cai. Existe o perigo real de que uma Europa a duas velocidades acabe por ser um cenário permanente. Tanto os recursos humanos como financeiros estão a ser atraídos para o centro, deixando a periferia em estado permanente de Depressão. Mas a periferia fervilha de descontentamento. A tragédia da Europa não resulta de um plano maléfico, mas sim da inexistência de políticas coerentes. Tal como nas antigas tragédias gregas, as concepções erradas e a profunda falta de entendimento tiveram consequências não intencionais mas fatídicas. A Alemanha, na qualidade de maior país credor, está no comando, mas recusa-se a assumir responsabilidades adicionais; assim, todas as oportunidades para solucionar a crise têm sido desperdiçadas.

A crise alastrou-se da Grécia a outros países deficitários, acabando por pôr em causa a própria sobrevivência do euro. Uma vez que um desmoronamento do euro provocaria imensos danos, a Alemanha tem feito sempre o mínimo necessário para manter a sua coesão. Mais recentemente, a chanceler alemã, Angela Merkel, apoiou o presidente do BCE, Mario Draghi, deixando o presidente do Bundesbank, Jens Weidmann, isolado. Isto permitirá ao BCE limitar os custos de financiamento dos países que se submetam a um programa de austeridade sob a supervisão da troika (FMI, BCE e Comissão Europeia). Isso salvará o euro, mas é também um passo no sentido da divisão permanente da Europa em devedores e credores. Mais cedo ou mais tarde, os devedores deverão rejeitar uma Europa a duas velocidades. Se o euro se desmoronar desordenadamente, o mercado comum e a UE serão destruídos, deixando a Europa pior do que estava quando a iniciativa da sua união surgiu, devido a um legado de desconfiança e de hostilidade mútuas.

Quanto mais tarde se der o desmoronamento, pior será o desfecho. Por isso, é altura de ponderar alternativas que, até há bem pouco tempo, seriam inconcebíveis. No meu entender, a melhor via seria convencer a Alemanha a escolher entre liderar a criação de uma união política com uma genuína partilha de encargos ou abandonar o euro. Uma vez que toda a dívida acumulada está denominada em euros, fará toda a diferença saber quem ficará responsável pela união monetária. Se a Alemanha sair, o euro irá desvalorizar. Os países devedores reconquistarão a sua competitividade; as suas dívidas diminuirão em termos reais; e com o BCE sob o seu controlo, a ameaça de incumprimento desaparecerá e os seus custos de financiamento descerão para níveis comparáveis aos do Reino Unido. Os países credores, em contrapartida, incorreriam em perdas nos seus empréstimos e investimentos denominados em euros e enfrentariam uma forte concorrência a nível interno por parte de outros membros da Zona Euro. A dimensão das perdas dos países credores dependeria da dimensão da desvalorização do euro, pelo que seria do seu interesse manter a depreciação controlada.

Depois do choque inicial, o resultado final tornaria realidade o sonho de John Maynard Keynes de um sistema cambial internacional em que tanto os credores como os devedores dividiriam a responsabilidade pela manutenção da estabilidade. E a Europa evitaria a Depressão que a ameaça. O mesmo resultado poderia ser conseguido para a Alemanha, e com menos custos, se a Alemanha escolhesse comportar-se como uma potência benevolente. Isso significaria implementar a sugerida união bancária europeia; nivelar o campo de jogo entre os países devedores e credores, através da criação de um Fundo de Redução de Dívida, acabando por converter toda a dívida em Eurobonds; e ter como meta um crescimento nominal do PIB até 5%, de modo a que a Europa, ao crescer, pudesse deixar de estar excessivamente endividada. Quer a Alemanha decida liderar ou sair, qualquer das alternativas será melhor do que criar uma insustentável Europa a duas velocidades."

George Soros

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