Políticos, precisam-se
"O tempo é agora de controlar os danos do caso da TSU, criando as condições para corrigir os erros cometidos. Não nos podemos deixar morrer na praia mesmo sabendo que os riscos são imensos. Mesmo que estejamos cada vez mais convencidos de que os tecnocratas da troika têm de começar a reconhecer que as receitas que andam a aplicar criam mais problemas do que resolvem. Da Grécia pode e pôde dizer-se tudo. Mas a Irlanda é boa aluna e Portugal ficou totalmente ao lado do professor, confundindo-se com ele.
De tal maneira que, como disse a ex-presidente do PSD Manuela Ferreira Leite, nem sabemos o que defende a troika e o que defende o governo português em nome dos portugueses e de valores que são nacionais. O processo de decisão de financiar a descida da TSU dos empresários com uma subida da TSU a cargo dos trabalhadores continua envolto em mistério. Quando todos pensávamos que o tema estava enterrado - afinal já se tinha estudado e debatido tudo há um ano -, eis que ele ressuscita, um ano depois, sob a forma resumida de "tira aos trabalhadores para dar aos patrões".
Vamos tirar a emoção ao resumo e olhar para o modelo que conduziu à decisão. Como dizia o representante do FMI Abebe Selassie na entrevista ao público, Portugal tem dois problemas: um de contas públicas outro de competitividade. A solução da TSU foi uma ideia que a troika, nas suas palavras achou "razoável". Nas palavras do ministro das Finanças, esta medida foi a que "oferecia a melhor promessa de resultados positivos". De facto, numa modelização em que a economia é sintetizada em oferta de bens e serviços e procura de bens e serviços, uma medida que reduz o consumo interno (por via da redução do rendimento) e diminuir os custos de produção (por via da redução dos custos do factor trabalho) pode traduzir-se numa expansão económica com preços mais baixos e produção mais elevada.
No papel é um exercício muito interessante. É um desafio que os economistas perseguem: tentar replicar os efeitos de uma desvalorização cambial com ferramentas orçamentais. A sua aplicação, como o próprio ministro das Finanças disse o ano passado, nunca foi testada. E a prudência recomendava, como recomenda, que não se fizesse isso em Portugal, muito menos na situação de endividamento em que se encontra. Ou seja, os especialistas prudentes dizem: não façam isso em Portugal. Disseram há um ano, dizem agora. A troika fez mais estudos, que não se conhecem, e diz agora, com o Governo, que no modelo de tirar aos trabalhadores para dar aos patrões a descida da TSU é mais prometedora do que o corte na TSU financiado pelo aumento do IVA.
Muito bem. Os especialistas dizem que a solução é boa para o país, os testes feitos com vários modelos apontam para ganhos sem ambiguidades no emprego, no investimento e nas exportações. E, com base nesses resultados o Governo decide e anuncia que baixa a TSU para as empresas e aumenta a parte suportada pelos trabalhadores. E eis que se gera a revolta. Nunca uma medida gerou uma oposição tão unânime, da esquerda à direita, dos patrões aos sindicatos. E claro que com esta oposição, o governo terá de recuar. O caso da TSU pode ser usado para mostrar como os especialistas não devem substituir os políticos em decisões de políticas públicas. Os valores de uma sociedade são determinantes para a sucesso de qualquer política num país democrático.
Foi disso que o Governo se esqueceu. É isso que a troika parece nem conseguir compreender. Agora é tempo de controlar os danos de uma decisão que se esqueceu de integrar nela os valores e o funcionamento da sociedade portuguesa. Os empresários e os trabalhadores sentem-se como concorrentes pelo mesmo bolo e não como actores que cooperam. E os cidadãos em geral suportam sacrifícios, até por solidariedade, mas revoltam-se contra o que sentem ser uma injustiça. Os políticos portugueses têm (ou tinham) a obrigação de saber tudo isto. Ou precisamos mais de bons políticos."
Helena Garrido
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