quarta-feira, outubro 31, 2012

A refundação

"Na última semana, o primeiro-ministro lançou o mote: é necessário repensar as funções sociais do Estado. Mais: como a refundação do Estado Social não está no memorando de entendimento, é necessária a anuência do principal partido da oposição.

O anúncio de Passos Coelho surge no seguimento de declarações recentes do ministro das Finanças, segundo as quais "existe aparentemente um enorme desvio entre aquilo que os portugueses acham que devem ter como funções sociais do Estado e os impostos que estão dispostos a pagar para assegurar essas mesmas funções". Feita a introdução ao tema, passemos então aos números.

De acordo com a base de dados do Banco de Portugal (últimos dados disponíveis), a despesa pública com prestações sociais em Portugal cresceu de 12% do PIB em Março de 2000 para 21% do PIB em Março de 2012. Na zona euro, o crescimento foi mais moderado: de 21% do PIB na viragem do milénio para 23% do PIB em 2012. Os números revelam que se há doze anos Portugal estava manifestamente abaixo da zona euro nesta matéria, hoje está quase ao mesmo nível. No total, no período considerado, as prestações sociais representaram em média 39% da despesa total contra 46% na média da zona euro. Há, contudo, um elemento diferenciador: no mesmo período de tempo, a economia portuguesa cresceu ao ritmo anual de 0,7% contra os 1,4% ao ano na zona euro. Ou seja, tendo as nossas prestações sociais quase duplicado, aproximando-se (mas ainda aquém) dos níveis evidenciados pelos nossos parceiros europeus, o crescimento económico ficou-se apenas pela metade. E esta é uma diferença que faz toda a diferença.

Analisada a despesa, olhemos agora para a receita. Desde 2000, as receitas do Estado português foram em média de 40% do PIB contra 45% do PIB na zona euro. Os impostos directos representaram 9% do PIB, isto é, abaixo dos 12% do PIB registados na zona euro. Pelo contrário, os impostos indirectos representaram 14% do PIB, isto é, acima dos 13% do PIB na zona euro. Ora, se estivemos abaixo da média num caso, mas acima da média no outro caso - e sobretudo agora que nos impostos directos iremos convergir para o nível médio europeu - onde está então a grande diferença face à Europa mais rica? Está essencialmente nas contribuições sociais, que nestes doze anos foram de 12% do PIB em Portugal contra 16% do PIB na zona euro. Em suma, o senhor ministro das Finanças tem razão no seu diagnóstico, pois de facto há mesmo uma divergência entre aquilo que os portugueses pagam em impostos, nomeadamente em contribuições sociais, e o nível de serviço que pretendem do Estado.

O debate iniciado é relevante. É meritório e terá de ser feito. Dito isto, o debate não é ainda oportuno. Por uma simples razão: é que, não tendo ainda corrigido estruturalmente as áreas onde a despesa tem sido excessiva e superior à europeia, o Governo fará mal em reduzir numa área onde não estamos acima da média e que, apesar de tudo, vai sendo necessária para atenuar as consequências da crise. Por outras palavras, o Governo que reduza primeiro a despesa com pessoal, que procure renegociar a dívida pública, e que racionalize o seu sector empresarial - três áreas de verdadeiro despesismo. E depois, sim, que inicie o debate sobre o Estado Social. Mas uma coisa de cada vez, e tudo a seu tempo."

Ricardo Arroja

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