Palácios de espera
Fio de Prumo
Palácios de espera
A organização do sistema judiciário português é obsoleta, arcaica, de inspiração medieval. Mas esta realidade parece não preocupar os dignatários maiores do sistema que, na abertura do ano judicial, proclamaram grandes princípios, identificaram transcendentes problemas, anteviram profundas reformas. Estes discursos tornam-se risíveis, quando estes responsáveis não conseguem sequer que uma simples inquirição ou audiência comece a horas.
Os cidadãos que recorrem à justiça são amesquinhados, os actores do sistema não dispõem de condições para o exercício condigno das suas funções, os próprios edifícios são desadequados à missão. Quem procura os tribunais, denunciante, assistente, testemunha ou até arguido, perde-se num labirinto de procedimentos. A actividade mais comum num tribunal é a espera. As testemunhas esperam pelos oficiais de justiça, em átrios frios e desconfortáveis. Os arguidos esperam pelos seus advogados, estes pelos da contraparte, todos pelos juízes que raramente cumprem horários. Todos aguardam um julgamento que provavelmente vai ser adiado… para provocar uma nova espera de meses. Dentro dos tribunais esperam uns pelos outros e no final deixam-nos a todos… à espera de justiça. Por sua vez, juízes e procuradores trabalham em gabinetes velhos e exíguos, sem o competente pessoal de apoio. A hierarquia é difusa, a desorganização a regra. Sem as mínimas condições e atolados em funções burocráticas, os magistrados não conseguem administrar a justiça.
Os edifícios não escapam a esta realidade dantesca. Muitos encontram-se em avançado estado de insalubridade, chove nas salas de audiência, alguns tribunais são verdadeiras ruínas. E nem os mais modernos, como o Campus de Justiça de Lisboa, dispõem das condições necessárias. No mais importante espaço judiciário português, os magistrados não têm privacidade, a insonorização é deficiente, a estrutura do edifício é absurda. Os palácios de justiça deviam designar-se de túmulos da justiça. Nas suas salas, cujos tetos ameaçam ruir, subsiste uma retórica impercetível, uma pompa e circunstância medieval, de togas, becas e capas. Temos uma justiça enfarpelada… e coberta pelo ridículo.
Paulo Morais, in CM
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