domingo, fevereiro 29, 2004

Café nosso.

Preparava-me para tomar o habitual café de sábado quando apareceu o amigo Valério.

Sentados à mesa, a discussão do estado das coisas foi evoluindo normalmente, quando, a meio da conversa, não resisti a meter-me com ele:

- A vida está boa é para o teu filho. Dois meios dias mensais para ir ao banco – disparei.

- Conta lá isso – retorquiu surpreso.

- Então, segundo o jornal “Público”, os trabalhadores da TAP têm, como regalia, a possibilidade de faltarem dois meios dias mensais para irem tratar de assuntos ao banco – expliquei.

- Nada disso. Até parece que não sabes como são os jornais – disse sorrindo.

- Mas este é o “Público” – afirmei espantado.

- Isso já não interessa. É verdade que os tipos tem uma regalia chamada “dispensa de banco” que pode ser utilizada por cada depósito de ordenado e não pode passar as 3 horas.

Desculpa – perguntei.

- É assim. Os tipos, num dia por mês, podem faltar até três horas. É como pedir ao patrão para chegar mais tarde para ir tratar de um assunto qualquer – explicou.

- Mas não é isso que a notícia diz – afirmei chateado, por me sentir defraudado com a notícia que julgava credível.

- Ó Zé, se isso fosse verdade, o puto não trabalhava. Repara bem. Ele trabalha por turnos. Entra às 8 horas e sai às 4 da tarde. Almoça à volta das 1 às 2 da tarde. Se tivesse uma manhã livre, o que é que ia lá fazer das 2 às 4 da tarde. Ainda por cima 2 manhãs por mês. É treta. Não sei como foste nessa – explicou trocista.

- Estou a ver. Mas hoje em dia, não se justifica a existência dessa dispensa – inquiri.

- É assim. A dispensa foi criada numa altura em que se ia levantar o dinheiro ao banco. Não havia cartões multibanco. Nessa altura, a TAP ficava isolada atrás do aeroporto, sem transportes de jeito. Ainda hoje só um autocarro passa lá a porte e tem alturas que só passa de meia em meia hora. Então à noite é uma tristeza. Felizmente que o puto comprou um carro, senão passava a vida a ir buscá-lo quando saía à meia-noite – explicou.

- Felizmente não porque aposto que entraste com algum – atalhei.

- Nem me fales nisso, nem me fales nisso. Mas continuando, segundo o que o puto me contou, a maioria dos colegas deles não usa – concluiu o amigo Valério.

- Estou a ver. A notícia está ligeiramente distorcida – rematei.

- Só ligeiramente – disse soltando algumas gargalhadas.

- Para mais, sendo um direito antigo, como tu sabes, de acordo com o princípio do tratamento mais favorável para o trabalhador tutelado por lei, não pode ser extinguido assim sem mais nem menos – afirmou abrindo os braços e encolhendo os braços.

- Disso tu sabes melhor que eu. É a tua especialidade – concordei sem hesitar, visto ele ser advogado.

- Pois é. Esse pessoal é de uma coerência brutal. Criticam o ministro Bagão Félix por conceber um novo código de trabalho que traduz a perda de regalias dos trabalhadores e, ao mesmo tempo, criticam também aquilo que consideram o excesso de regalias – afirmou chateado em voz alta.

- Ou seja. Podem tirar tudo aos outros desde que não sejam as minhas. Cambada – terminou bebendo o último pedaço de água existente no copo.

- Sabes, como defendem certos interesses, é natural que esse tipo de notícias apareçam em certas alturas – afirmou concluindo a conversa.

Olhou para o relógio e despediu-se. Estava na hora do almoço.

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