Cunhal deixa uma herança sem herdeiros.
"Cunhal mais parece um guerrilheiro a apagar as pegadas para não ter seguidores nem perseguidores. Durante toda a longa vida foi criando à sua volta um espaço de terra queimada. Sempre sonhou ser um Mestre sem discípulos. E chegamos a este XVII Congresso à beira da implosão. O Partido renasceu com ele e vai morrer com ele.
Pelo caminho ficaram Pavel, Piteira Santos, Júlio Fogaça, Vital Moreira, Luís Sá, João Amaral. E mais. Cunhal sempre teve uma concepção absoluta do Poder. Nunca foi um democrata, quando muito um aristocrata, sob o manto, falsamente modesto, de «filho adoptivo do proletariado», como declarou em sua defesa, em Tribunal Plenário.
Suportava os medíocres porque a mediocridade lhe servia e fortalecia as suas correias de Poder. Cunhal não era contrariável; ainda hoje não é contrariado. Deixa uma herança, mas como nunca quis herdeiros, a herança corre o perigo de morrer com ele ou de ser desbaratada por vindouros desconhecidos.
Mas, apesar de tudo, os mais velhos aprenderam alguma coisa com Cunhal: moldemos os novos à nossa imagem e semelhança, iludidos que têm poder quando o poder é nosso. E hoje, e também por isto, o PCP é um partido sem ideias e, o mais grave, sem convicções. Já não quer mudar a realidade, só não quer que a realidade o mude a ele. Cunhal é hoje uma espécie do frade, guardião da biblioteca e dos seus segredos, do Nome da Rosa, de Umberto Eco. Isolado em si e na sua circunstância, não escreve memórias porque não quer deixar herança e dificilmente quer deixar um PCP porque ele é o PCP. É o princípio trágico da implosão. Embora lenta.
O canto doloroso de Almada anuncia dias tristes. A garantia financeira de que o aparelho se pode aguentar pelo menos durante os próximos 10 anos é um alívio para a generalidade deste Comité Central, que espera que a realidade do Mundo mude e acabe por lhe dar razão. Mais do que uma desistência, é uma desculpa. E um sinal de incapacidade. O PCP é hoje um partido triste. Para um partido de esperança e que se quer de futuro, esta tristeza torna-o um partido normalíssimo. Sistémico. Senão, vejamos a depressão em que o país está envolvido.
Quando o próprio PCP não resiste a esta depressão, então algo vai mal. Hoje, Cunhal é a última sibila do PCP. Mas já não há nada para descodificar, nem enigmas complexos para reflectir e solucionar. Cunhal sabe disso e reserva para si, só para si, a resposta do enigma. Há suspeitas de que ele próprio seja o Enigma. Como alguém disse, Cunhal está para a política como Edgar Cardoso para a engenharia.
Nunca tiveram discípulos, nem deixaram escola. E dos imitadores medíocres não reza a História. A fórmula rigorosa de Cunhal, a maior flexibilidade táctica para a máxima rigidez estratégica, já não tem sentido. O PCP está sem táctica e sem estratégia. Amarrou o barco ao cais e daí não sai. Recusa-se a levantar âncora. Almada parece ser a viagem mais longa que se pode fazer a partir da Soeiro Pereira Gomes."
ROGÉRIO RODRIGUES
Pelo caminho ficaram Pavel, Piteira Santos, Júlio Fogaça, Vital Moreira, Luís Sá, João Amaral. E mais. Cunhal sempre teve uma concepção absoluta do Poder. Nunca foi um democrata, quando muito um aristocrata, sob o manto, falsamente modesto, de «filho adoptivo do proletariado», como declarou em sua defesa, em Tribunal Plenário.
Suportava os medíocres porque a mediocridade lhe servia e fortalecia as suas correias de Poder. Cunhal não era contrariável; ainda hoje não é contrariado. Deixa uma herança, mas como nunca quis herdeiros, a herança corre o perigo de morrer com ele ou de ser desbaratada por vindouros desconhecidos.
Mas, apesar de tudo, os mais velhos aprenderam alguma coisa com Cunhal: moldemos os novos à nossa imagem e semelhança, iludidos que têm poder quando o poder é nosso. E hoje, e também por isto, o PCP é um partido sem ideias e, o mais grave, sem convicções. Já não quer mudar a realidade, só não quer que a realidade o mude a ele. Cunhal é hoje uma espécie do frade, guardião da biblioteca e dos seus segredos, do Nome da Rosa, de Umberto Eco. Isolado em si e na sua circunstância, não escreve memórias porque não quer deixar herança e dificilmente quer deixar um PCP porque ele é o PCP. É o princípio trágico da implosão. Embora lenta.
O canto doloroso de Almada anuncia dias tristes. A garantia financeira de que o aparelho se pode aguentar pelo menos durante os próximos 10 anos é um alívio para a generalidade deste Comité Central, que espera que a realidade do Mundo mude e acabe por lhe dar razão. Mais do que uma desistência, é uma desculpa. E um sinal de incapacidade. O PCP é hoje um partido triste. Para um partido de esperança e que se quer de futuro, esta tristeza torna-o um partido normalíssimo. Sistémico. Senão, vejamos a depressão em que o país está envolvido.
Quando o próprio PCP não resiste a esta depressão, então algo vai mal. Hoje, Cunhal é a última sibila do PCP. Mas já não há nada para descodificar, nem enigmas complexos para reflectir e solucionar. Cunhal sabe disso e reserva para si, só para si, a resposta do enigma. Há suspeitas de que ele próprio seja o Enigma. Como alguém disse, Cunhal está para a política como Edgar Cardoso para a engenharia.
Nunca tiveram discípulos, nem deixaram escola. E dos imitadores medíocres não reza a História. A fórmula rigorosa de Cunhal, a maior flexibilidade táctica para a máxima rigidez estratégica, já não tem sentido. O PCP está sem táctica e sem estratégia. Amarrou o barco ao cais e daí não sai. Recusa-se a levantar âncora. Almada parece ser a viagem mais longa que se pode fazer a partir da Soeiro Pereira Gomes."
ROGÉRIO RODRIGUES
1 Comments:
Há cada vira-casacas... Não percebo como é que o Rogério Rodrigues escreveu tal coisa. Tão comuna que era (?)...
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