domingo, novembro 28, 2004

A Europa e Os Imigrantes.

"O assassínio do holandês Theo Van-Gogh por um terrorista islâmico, a 2 de Novembro, e o debate que se lhe seguiu sobre a imigração foram ofuscados pelas eleições americanas, por Arafat, pela Ucrânia. Se a eleição de Bush condiciona a aliança ocidental, se a morte de Arafat faz mover o Médio Oriente, se a Ucrânia determina a fronteira estratégica da União Europeia e da NATO, a imigração toca o modelo de civilização e a segurança interna da Europa. A Europa terá cada vez mais imigrantes e mais muçulmanos. Para manter o "ratio" activos/inactivos, a UE deverá acolher mais de 100 milhões de imigrantes nos próximos 25 anos. Tem hoje pouco mais de 20 milhões. O envelhecimento da população torna a imigração uma questão de sobrevivência económica. O terrorismo islâmico levanta uma grave questão da segurança. E o modelo de integração dos imigrantes determinará o futuro do nosso modelo político e civilizacional.

Esta discussão toca um tabu: muitos europeus ilustrados gostariam de fazer dos imigrantes outros tantos europeus, isto é, cidadãos que partilhem os mesmos valores cívicos. Frequentemente não o dizem por temer a acusação de etnocentrismo. A tendência está a inverter-se e o multiculturalismo, que defende a manutenção das culturas comunitárias e se impôs nos anos 1970, vê-se agora no banco dos réus.

Modelos em crise
Se assassínio de Van-Gogh desencadeou uma onda de choque na Holanda (ver PÚBLICO de ontem), provocou uma discussão "histérica" na Alemanha.
Durante três semanas, imprensa e políticos debateram o multiculturalismo, tradicionalmente defendido pela esquerda. A direita decretou a sua falência, apoiada por personalidades da esquerda, como o antigo chanceler Helmut Schmidt. As divergências sobem de tom quando se definem "os valores dominantes" a que os imigrantes devem aderir. Há uma pergunta implícita: é o islão compatível com o pluralismo da Constituição, com a igualdade entre homens e mulheres ou a separação entre Igreja e Estado? Já a pensar em eleições, os democratas-cristãos da Baviera (CDU) vão mais longe e lançam-se na apologia dos "valores cristãos". "A integração não pode ser decidida de cima para baixo. Não é uma rua de sentido único", adverte o presidente do Conselho Islâmico Alemão, Ali Kizilkaya. Se há "sociedades paralelas", isso deve-se também à política de imigração, diz.

A Alemanha nunca foi multicultural. Praticou uma política de "separação", coerente com a sua própria definição de nacionalidade em termos de língua e sangue. Os imigrantes eram significativamente denominados "Gestarbeiter", "trabalhadores convidados", destinados a ir embora quando deixassem de ser úteis. Só uma pequena fracção dos turcos nascidos na Alemanha conseguiu a naturalização. Sinal de alarme: os jovens tendem a identificar-se como turcos e não como alemães, mesmo quando têm dupla nacionalidade. No dia 21, os muçulmanos organizaram em Colónia uma manifestação de 25 mil pessoas contra o terrorismo em nome do Islão. "Quiseram mostrar à opinião pública que amam a paz, não batem nas mulheres e que não portam nenhum discurso de ódio", escreveu o "Berliner Zeitung".

Na quinta-feira, o Governo anunciou um vasto programa para favorecer a integração, intitulado "Combater o islamismo e naturalizar o Islão". Segundo o chanceler Gerhard Schroeder, visa evitar o desenvolvimento de "sociedades paralelas" e o "conflito de culturas".
A França representa o modelo oposto, a integração republicana. Mas também ele entrou em crise. Três relatórios publicados na terça-feira convergem nessa constatação. O mais relevante, do Tribunal de Contas, afirma que "a situação de crise não é produto da imigração", mas "resultado da maneira como a imigração é tratada". Denuncia o fracasso em três campos fundamentais: o bairro, a escola e o emprego. A exclusão mina a integração. Durante 30 anos, os poderes públicos foram incapazes de se adaptar à mudança da imigração, sublinha "Le Monde" em editorial. "É um dos mais graves fracassos da República (...)". Pior: está "a abrir-se, insidiosamente, a porta a um multiculturalismo que se situa no exacto oposto do ideal republicano".

Depois do multiculturalismo
A máquina de integrar americana continua a fazer inveja. Ao contrário dos americanos, os imigrantes alemães não manifestam qualquer "patriotismo" pelo país de acolhimento, lamenta a ministra alemã responsável pela imigração, Merieluise Beck, dirigente dos Verdes e defensora dum multiculturalismo mitigado. A historiadora norte-americana Liah Greenfeld explica que, nos EUA, o multiculturalismo não afecta a nação. "A nação foi concebida como uma federação de comunidades autónomas de indivíduos, sem que a composição étnica dessas comunidades seja tida em conta; e a estrutura federal foi sempre um mecanismo de protecção dos direitos dos indivíduos e não de grupos (...)." A diversidade étnica é "glorificada mas despojada de importância cultural". A América integra os imigrantes nos seus valores e produz uma sólida identidade nacional.

A Europa está em crise de modelos. O multiculturalismo deixa de funcionar quando a imigração, designadamente a islâmica, atinge um nível elevado. O modelo britânico de coexistência entre comunidades, de origem imperial, funciona bem em Londres, menos bem noutras cidades, e é dificilmente exportável. O politólogo italiano Giovanni Sartori sublinhou que o sistema multicultural apenas é desejável nos Estados multiétnicos ou multinacionais, onde assegura a paz civil. De resto, ameaça o pluralismo. O paradoxo reside no facto de os valores fundamentais das sociedades "abertas"- da tolerância à liberdade de opinião e crença - serem invocados e desviados dos seus fins, numa verdadeira "estratégia de conquista", pelos responsáveis das organizações islamistas, que entretanto os rejeitam categoricamente. O multiculturalismo é inimigo do pluralismo e da democracia, desagregando a "sociedade aberta" através de conflitos entre a cultura do país de acolhimento e as culturas dos imigrantes, sobretudo os que vêm de teocracias.

O controlo dos clandestinos e a defesa perante o terrorismo, uma bomba ao retardador dentro da Europa, só podem ser feitos no quadro da UE. A integração dos imigrantes é uma decisão nacional, determinada pela história e cultura de cada país, e pela origem dos seus imigrantes. Integração não é assimilação. O princípio da cidadania implica a igualdade de direitos civis e políticos e não exclui as fidelidades comunitárias e religiosas. Por razões históricas, a "integração republicana" é a única referência para países como Portugal, a Espanha ou a Itália, que de exportadores de homens passaram a destino de imigrantes. A economia deste debate é um impulso à xenofobia."

JORGE ALMEIDA FERNANDES

3 Comments:

Anonymous Anónimo said...

Por cá, o à-vontade dos marginais, só é possível porque á PSP está ocupada com campanhas políticas de apoio ao PS. A segurança dos cidadãos, que lugar ocupa nas prioridades da PSP?

domingo, novembro 28, 2004  
Anonymous Anónimo said...

As afirmações do sindicato da PSP só vÊm confirmar a partidarização das greves. Elogiar os governos socialistas, que retiraram autoridade às polícias, não lembra a ninguém. É por esta e por outras, que não deveriam autorizar a formação de sindicatos nas forças policiais. A segurança dos cidadãos está acima dos interesses da classe! Alberto

domingo, novembro 28, 2004  
Anonymous Anónimo said...

Estranha esta afirmação, porquanto os cidadãos não viram os reflexos desse apoio, na protecção dos mesmos. Para os agentes, o PS foi um maná de regalias; para os cidadãos, a insegurança tem sido uma escalada, ano após ano. A PSP, deve primeiro preocupar-se com a segurança das pessoas, e só depois, reclamar regalias. Alcides

domingo, novembro 28, 2004  

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