A Europa e Os Imigrantes.
"O assassínio do holandês Theo Van-Gogh por um terrorista islâmico, a 2 de Novembro, e o debate que se lhe seguiu sobre a imigração foram ofuscados pelas eleições americanas, por Arafat, pela Ucrânia. Se a eleição de Bush condiciona a aliança ocidental, se a morte de Arafat faz mover o Médio Oriente, se a Ucrânia determina a fronteira estratégica da União Europeia e da NATO, a imigração toca o modelo de civilização e a segurança interna da Europa. A Europa terá cada vez mais imigrantes e mais muçulmanos. Para manter o "ratio" activos/inactivos, a UE deverá acolher mais de 100 milhões de imigrantes nos próximos 25 anos. Tem hoje pouco mais de 20 milhões. O envelhecimento da população torna a imigração uma questão de sobrevivência económica. O terrorismo islâmico levanta uma grave questão da segurança. E o modelo de integração dos imigrantes determinará o futuro do nosso modelo político e civilizacional.
Esta discussão toca um tabu: muitos europeus ilustrados gostariam de fazer dos imigrantes outros tantos europeus, isto é, cidadãos que partilhem os mesmos valores cívicos. Frequentemente não o dizem por temer a acusação de etnocentrismo. A tendência está a inverter-se e o multiculturalismo, que defende a manutenção das culturas comunitárias e se impôs nos anos 1970, vê-se agora no banco dos réus.
Modelos em crise
Se assassínio de Van-Gogh desencadeou uma onda de choque na Holanda (ver PÚBLICO de ontem), provocou uma discussão "histérica" na Alemanha.
Durante três semanas, imprensa e políticos debateram o multiculturalismo, tradicionalmente defendido pela esquerda. A direita decretou a sua falência, apoiada por personalidades da esquerda, como o antigo chanceler Helmut Schmidt. As divergências sobem de tom quando se definem "os valores dominantes" a que os imigrantes devem aderir. Há uma pergunta implícita: é o islão compatível com o pluralismo da Constituição, com a igualdade entre homens e mulheres ou a separação entre Igreja e Estado? Já a pensar em eleições, os democratas-cristãos da Baviera (CDU) vão mais longe e lançam-se na apologia dos "valores cristãos". "A integração não pode ser decidida de cima para baixo. Não é uma rua de sentido único", adverte o presidente do Conselho Islâmico Alemão, Ali Kizilkaya. Se há "sociedades paralelas", isso deve-se também à política de imigração, diz.
A Alemanha nunca foi multicultural. Praticou uma política de "separação", coerente com a sua própria definição de nacionalidade em termos de língua e sangue. Os imigrantes eram significativamente denominados "Gestarbeiter", "trabalhadores convidados", destinados a ir embora quando deixassem de ser úteis. Só uma pequena fracção dos turcos nascidos na Alemanha conseguiu a naturalização. Sinal de alarme: os jovens tendem a identificar-se como turcos e não como alemães, mesmo quando têm dupla nacionalidade. No dia 21, os muçulmanos organizaram em Colónia uma manifestação de 25 mil pessoas contra o terrorismo em nome do Islão. "Quiseram mostrar à opinião pública que amam a paz, não batem nas mulheres e que não portam nenhum discurso de ódio", escreveu o "Berliner Zeitung".
Na quinta-feira, o Governo anunciou um vasto programa para favorecer a integração, intitulado "Combater o islamismo e naturalizar o Islão". Segundo o chanceler Gerhard Schroeder, visa evitar o desenvolvimento de "sociedades paralelas" e o "conflito de culturas".
A França representa o modelo oposto, a integração republicana. Mas também ele entrou em crise. Três relatórios publicados na terça-feira convergem nessa constatação. O mais relevante, do Tribunal de Contas, afirma que "a situação de crise não é produto da imigração", mas "resultado da maneira como a imigração é tratada". Denuncia o fracasso em três campos fundamentais: o bairro, a escola e o emprego. A exclusão mina a integração. Durante 30 anos, os poderes públicos foram incapazes de se adaptar à mudança da imigração, sublinha "Le Monde" em editorial. "É um dos mais graves fracassos da República (...)". Pior: está "a abrir-se, insidiosamente, a porta a um multiculturalismo que se situa no exacto oposto do ideal republicano".
Depois do multiculturalismo
A máquina de integrar americana continua a fazer inveja. Ao contrário dos americanos, os imigrantes alemães não manifestam qualquer "patriotismo" pelo país de acolhimento, lamenta a ministra alemã responsável pela imigração, Merieluise Beck, dirigente dos Verdes e defensora dum multiculturalismo mitigado. A historiadora norte-americana Liah Greenfeld explica que, nos EUA, o multiculturalismo não afecta a nação. "A nação foi concebida como uma federação de comunidades autónomas de indivíduos, sem que a composição étnica dessas comunidades seja tida em conta; e a estrutura federal foi sempre um mecanismo de protecção dos direitos dos indivíduos e não de grupos (...)." A diversidade étnica é "glorificada mas despojada de importância cultural". A América integra os imigrantes nos seus valores e produz uma sólida identidade nacional.
A Europa está em crise de modelos. O multiculturalismo deixa de funcionar quando a imigração, designadamente a islâmica, atinge um nível elevado. O modelo britânico de coexistência entre comunidades, de origem imperial, funciona bem em Londres, menos bem noutras cidades, e é dificilmente exportável. O politólogo italiano Giovanni Sartori sublinhou que o sistema multicultural apenas é desejável nos Estados multiétnicos ou multinacionais, onde assegura a paz civil. De resto, ameaça o pluralismo. O paradoxo reside no facto de os valores fundamentais das sociedades "abertas"- da tolerância à liberdade de opinião e crença - serem invocados e desviados dos seus fins, numa verdadeira "estratégia de conquista", pelos responsáveis das organizações islamistas, que entretanto os rejeitam categoricamente. O multiculturalismo é inimigo do pluralismo e da democracia, desagregando a "sociedade aberta" através de conflitos entre a cultura do país de acolhimento e as culturas dos imigrantes, sobretudo os que vêm de teocracias.
O controlo dos clandestinos e a defesa perante o terrorismo, uma bomba ao retardador dentro da Europa, só podem ser feitos no quadro da UE. A integração dos imigrantes é uma decisão nacional, determinada pela história e cultura de cada país, e pela origem dos seus imigrantes. Integração não é assimilação. O princípio da cidadania implica a igualdade de direitos civis e políticos e não exclui as fidelidades comunitárias e religiosas. Por razões históricas, a "integração republicana" é a única referência para países como Portugal, a Espanha ou a Itália, que de exportadores de homens passaram a destino de imigrantes. A economia deste debate é um impulso à xenofobia."
JORGE ALMEIDA FERNANDES
3 Comments:
Por cá, o à-vontade dos marginais, só é possível porque á PSP está ocupada com campanhas políticas de apoio ao PS. A segurança dos cidadãos, que lugar ocupa nas prioridades da PSP?
As afirmações do sindicato da PSP só vÊm confirmar a partidarização das greves. Elogiar os governos socialistas, que retiraram autoridade às polícias, não lembra a ninguém. É por esta e por outras, que não deveriam autorizar a formação de sindicatos nas forças policiais. A segurança dos cidadãos está acima dos interesses da classe! Alberto
Estranha esta afirmação, porquanto os cidadãos não viram os reflexos desse apoio, na protecção dos mesmos. Para os agentes, o PS foi um maná de regalias; para os cidadãos, a insegurança tem sido uma escalada, ano após ano. A PSP, deve primeiro preocupar-se com a segurança das pessoas, e só depois, reclamar regalias. Alcides
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